Autor: Irvine Welsh
Tradução: Galera & Pellizzari
Editora: Rocco
Gênero: Ficção/Romance
Ano: 2016
Páginas: 288
Nota: ★★★★★
Onde Comprar: Livraria Cultura
Sinopse: Para que ter um emprego? Para que ter uma casa de dois andares em uma rua arborizada? Para que uma cafeteira, uma máquina d elevar, um bilhete de metrô? Abrir uma conta no banco, ter um cartão de crédito, assinar contratos? Despertador, TV a cabo, férias na Riviera? Crianças na escola, carro do ano, comida na geladeira? Quem disse que a vida precisa ser só isso? É essa vida que você escolheu? Tem certeza de que você precisa disso? Relaxe. Sinta o sangue correndo em suas veias. Feche os olhos. E prepare-se para a viagem.Resenha: Trainspotting, escrito pelo autor escocês Irvine Welsh, ganhou uma grande repercussão devido a temática junkie/trash utilizada que engloba o submundo das drogas e de como era a vida de jovens que usavam a heroína de forma impensada e inconsequente (como qualquer viciado em drogas faz). O livro é de 1993, foi lançado no Brasil em 2004 e Editora Rocco relançou a obra nesse ano de 2016 sob novo - e infinitamente melhor - projeto gráfico.
A história se passa nos anos 90, no subúrbio de Edimburgo, Escócia, e retrata a época com bastante fidelidade através de jovens amigos que se perdem na vida ao fazerem escolhas erradas por não quererem viver de acordo com os moldes impostos pela sociedade considerados como "corretos".
É um livro de conteúdo explícito, sórdido, vulgar e sujo que mostra como alguém pode arruinar a si próprio, degradando-se lentamente em meio a marginalidade, passando o dia deitado numa poça da urina ou merda e ainda correndo riscos de contaminação por doenças incuráveis como a AIDS, que teve seu auge na época, devido as práticas nada higiênicas que são adotadas pelo grupo dos drogados.
A história é contada por um grupo de amigos, Mark Renton, Sick Boy, Spud, Tommy e Begbie, dentre outros, cada um com características únicas mas com uma coisa em comum: Eles são viciados e contam como chegaram ao fundo do poço pelo uso desenfreado da heroína.
O livro é dividido em partes - que pelos títulos resumem bem a vida de um viciado (Largando, Voltando, Largando de novo, Cagando tudo, Exílio, Lar, Saída) - e cada uma delas possuem capítulos sem sentido e aleatórios que parecem não ter ligação nenhuma com o anterior ou o seguinte, principalmente por não serem lineares e nem respeitarem uma ordem cronológica certa, e a narrativa em primeira pessoa se alterna sem que fique claro quem é o personagem da vez. Somente após o leitor se familiarizar com a forma de falar de cada um deles é possível se atentar a essas características particulares e saber a quem pertence a voz ativa que narra o capítulo em questão. Vamos ficando íntimos deles, sabendo de seus medos e anseios quando eles compartilham suas opiniões acerca da vida e do que lhes acontecem, sendo possível conhecer a essência de cada um deles. De início parece muito confuso e a impressão é de que a própria estrutura narrativa é um amontoado desconexo, mas posteriormente fica claro que a ideia foi genial levando em consideração que a vida desses jovens e como suas cabeças funcionam num estado de torpor (ou da falta dele) é a personificação do próprio caos.
Embora o tema seja pesado, há muitas passages cômicas e até despretenciosas que dão espaço para que o leitor "respire", fugindo um pouco de tanta tragédia, mas as críticas à sociedade estão lá, em trechos reflexivos que nos colocam pra pensar sobre as consequências de nossas escolhas além de dar uma visão sobre alguns fatores que pode levar alguém a ir pelo caminho das drogas. A sociedade fede, é hipócrita, preconceituosa, e a desilusão que as pessoas nutrem por esperarem por um futuro sem perspectivas de coisa alguma acaba fazendo com que alguns procurem por válvulas de escape como forma de distração. O problema é que algumas delas são ilegais, levam esses sujeitos à marginalização e na grande maioria das vezes, é um caminho irreversível e sem volta, logo qualquer indício de que o futuro poderia ser promissor, acaba sendo destruído por uma escolha ruim.
Penso como a tradução dessa obra deve ter sido um trabalho árduo para os tradutores pois o autor recria a linguagem oral falada pela população da classe baixa de Edimburgo e a passa para a forma escrita, procurando escrever da mesma forma que se fala, focando em sotaques e entonações. É uma mistura de inglês clássico com o dialeto usado do sul da Escócia e por mais que a grafia seja "incorreta" é possível entender o que se fala pela através da parte fonética. Na tradução e adaptação para o português, a forma para evidenciar esse linguajar pobre e chulo foi usando uma escrita bem informal e com erros ortográficos propositais, e ao mesmo tempo descartando o uso de gírias regionais, pois dessa forma qualquer um pode ler sem maiores dificuldades no entendimento. Porém, em outros casos onde são utilizados termos mais complexos relacionados a elementos específicos da região onde os personagens vivem, foi necessário a criação de um glossário para não fugir dos padrões da escrita traduzida e facilitar nossas vidas, além das notas de rodapé com observações sobre alguns termos usados pontualmente.
O título também foi mantido em inglês de forma proposital já que além do significado literal (conferindo os trens), ele faz uma referência ampla a atividades sem sentido ou sem utilidade que implique em uma total "perda de tempo", o que na minha opinião não poderia ser mais adequado visto que a vida que esses pobres coitados escolheram não os leva a nada... Acho que inclusive o livro deveria ser de leitura obrigatória em escolas a fim de conscientizar e abrir os olhos dessa geração que não é tão diferente daquela que viveu nos anos 90...
Em suma, Trainspotting é uma obra ácida, recheada de obscuridade, agressiva e muito, muito suja, mas tráz uma história contada de forma única, intrigante, agradável, divertida e despretenciosa e que vai se tornar inesquecível e trazer questionamento e reflexões devido a profundidade com que os dilemas daqueles que possuem vícios são abordados.
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