Autora: Caitlin Moran
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Romance
Ano: 2015
Páginas: 390
Nota:★★★★★
Sinopse: “Wolverhampton, em 1990, parece uma cidade a que algo terrível aconteceu.”
Talvez tenha acontecido de fato. Talvez seja o governo de Margaret Thatcher, talvez seja a vergonha que Johanna Morrigan passou num programa da TV local aos catorze anos. Imitar o Scooby Doo ao vivo foi uma péssima ideia. A narradora percebe que não faz mais sentido seguir como Johanna e decide se reinventar como Dolly Wilde - heroína gótica, garota "roqueira e beberrona", loquaz e Aventureira do Sexo, que salvará a família da pobreza com sua literatura. Como Jo de Mulherzinhas ou as irmãs Brontë, tirando a morte precoce.
Aos dezesseis anos, Dolly já fuma, bebe, trabalha para uma revista de música, manda cartas pornográficas para rock stars, transa com todo tipo de homem e ganha por palavra que escreve para destruir uma banda. Mas e se Johanna tiver feito Dolly com as peças erradas? Afinal, ser[a que uma caixa cheia de discos, uma parede cheia de pôsteres e uma cabeça cheia de livros são suficientes para se fazer uma garota?
Recheado de saborosas referências da cultura pop e do cenário indie dos anos 1990 da Inglaterra, Do que é feita uma garota é um romance hilário, picante e mordaz, que retrata com primor a iniciação de uma garota no universo adulto.
Resenha: Década de 90, Wolverhampton, Inglaterra. Johanna é uma adolescente de quatorze anos que, para sua total falta de privacidade, divide o quarto com os irmãos, ajuda a mãe a enfrentar uma depressão pós parto de gêmeos, e espera que o pai, que trabalha na indústria musical, em breve vai conseguir tirar a família do buraco. Mas devido a pouca idade, Johanna acredita mesmo que o pai vai ter algum sucesso, como se a fase ruim em que a família se encontra fosse algo passageiro, e que não iria demorar para que as promessas dele de uma vida melhor logo iriam se concretizar. Mas, quando ela percebe que a ruína está muito mais próxima do que o dinheiro e a "glória eterna", Johanna decide que precisa fazer alguma coisa pela família e por si mesma.
Então, depois de ouvir todos os discos indies possíveis, sob o pseudônimo de Dolly Wilde, Johanna começa a ganhar dinheiro para fazer resenhas negativas de bandas locais para uma revista nacional, e aos dezessete anos ela se tornou uma garota totalmente diferente daquela de quatorze da qual ela costumava ser. Ela entende muito de música, fuma feito uma chaminé, bebe igual um Opala, ganhou fama de encrenqueira e dorme com qualquer cara que aparece. É a típica "riot grrrl", sexo, drogas e rock'n roll. No início ela acreditava que esse era o tipo de pessoa que ela deveria ser, mas a medida que o tempo passa, ela percebe que Dolly talvez não corresponda exatamente com quem ela é, de fato.
Sabe aquele tipo de livro que você fica interessada logo quando vê que foi lançado, mas fica adiando a leitura eternamente sem nenhum motivo aparente e quando, enfim, pega pra ler, se arrepende até a alma por não ter lido antes? Pois é...
Do que é Feita Uma Garota é narrado em primeira pessoa pelo ponto de vista de Johanna e, ao longo da trama, ela vai construindo Dolly aos poucos, mas a partir daí descobre mais sobre si mesma com as experiências que tem, sua sexualidade, suas preferências, assim o que é preciso para se reinventar.
Assim, com toques muito bem humorados, alguns palavreados bem colocados pro estilo de narrativa, e usando elementos que se remetem à música underground dos anos 90, a autora desenvolve a história com muita naturalidade pela ótica de uma adolescente bastante precoce com seu jeito próprio, ingênuo, positivo e peculiar de enxergar o mundo, e como ela lida com as mais diversas situações que aparecem em cada momento de altos e baixos nessa fase de sua vida.
Através de Johanna/Dolly, a autora aborda temas como a descoberta da sexualidade, da importância da família, do primeiro amor, de adquirir responsabilidades e como todos esses elementos são responsáveis por construir uma pessoa e determinar quem ela poderá vir a ser no futuro, e tudo isso levando em consideração que as mudanças são constantes, mas a essência de cada um permanece.
Embora ela seja adolescente, foi bem bacana acompanhar sua forma de agir, de pensar e de resolver as coisas, pois ela arrisca, aprende com os erros - e não são poucos - e não desiste. Talvez devido a pouca idade que ela tem, é um pouco desconfortável acompanhá-la vivendo uma vida tão "desregrada", cheia de vícios, com uma vida sexual mais ativa do que podemos imaginar, se perdendo nos próprios devaneios, contando mentiras e se metendo em confusões, mas são esses os fatores que a tornam uma garota real, é o que faz dela quem ela é, com algumas virtudes, sim, mas também com muitos defeitos. Em vários momentos, ela se sente confusa por não saber exatamente o que está acontecendo ao ser redor, mas o aprendizado é a lição mais importante.
Johanna questiona várias questões machistas e estereótipos impostos pela sociedade, não concorda com a ideia de os meninos terem mais liberdade pra determinadas coisas do que as meninas, de os homens poderem fazer tudo e se as mulheres fizerem o mesmo, serão recriminadas.
Me arrisco a dizer que esse livro vai fazer com que muitas mulheres adultas se identifiquem com a protagonista pelo lado dos dilemas adolescentes, pelo ponto em que enquanto somos adolescentes nos sentimos confusas, descrente ou iludidas com os garotos, mutas vezes injustiçadas, e acreditamos sermos donas da razão em assuntos que não compreendíamos totalmente, mas hoje, ao olharmos pra trás, percebemos o quanto fomos ingênuas e bobas (no bom sentido da coisa) e que tínhamos um longo caminho para aprendermos muito do que a vida ensina, e ainda vai ensinar.
Embora seja trabalhado com muita sutileza, é possível perceber que a autora também inseriu o feminismo como tema na trama, e a história acabou tendo um significado ainda mais relevante e não deixa de trazer várias reflexões. A postura de Johanna frente aos homens em alguns pontos é ridícula e questionável nos dias de hoje, principalmente por ela passar um bom tempo tentando agradá-los acompanhando o comportamento da sociedade da época. Pensamentos como "se a garota tem uma vida sexual ativa, é vadia; o sexo é uma via de mão única, e o que realmente importa é a satisfação masculina; garotas gordas são encalhadas", são algumas das ideias expostas que permeiam a trama e, assim como fizeram a protagonista questionar, vão nos fazer questionar e refletir sobre os "privilégios" dos homens e o quanto as mulheres acreditavam que esse tipo de coisa era normal e aceitável, coisa que já está sendo desconstruída na atualidade, graças a Deus.
Pra quem aproveitou os anos 90 e sente falta da época, ou tem curiosidade pra saber ou relembrar como as pessoas aproveitavam a vida antes do boom da internet e das redes sociais, é leitura mais do que recomendada.
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