Editora: Conrad
Gênero: HQ
Ano: 2020
Páginas: 260
Nota:★★★★☆
Sinopse: Quando um defeito de nascença extermina toda a população masculina do planeta, um mundo habitado só por mulheres ressurge das cinzas. A graphic novel hilária e profunda de Aminder Dhaliwal mostra o processo de reconstrução da civilização nesta realidade nova em que algumas habitantes se reuniram sob a bandeira "Coxas da Beyoncé". Apenas a Vovó se lembra do passado no qual havia uma civilização de seguranças de shopping em segways, locadoras de filmes de sucesso e piadas de menininha – fragmentos do século XXI que sua neta tenta experimentar e entender como funcionavam. Na maior parte do tempo, as residentes do Mundo Mulher estão focadas em encontrar sua identidade, a luta contra o amor não correspondido, a solidão e a ansiedade, sem contar toda aquela coisa boba de "sobrevivência da humanidade".
Resenha: Mundo Mulher, da autora e ilustradora Aminder Dhalinwal, foi originalmente publicado em seu Instagram e fez tanto sucesso que acabou virando livro. No Brasil, a editora responsável pela publicação foi a Conrad.
O livro mostra o que aconteceu com a sociedade após alguns desastres ambientais terem causado um enorme caos no mundo e destruído a civilização como conhecemos. A revolta das pessoas era tanta que sequer deram importância e ignoraram o que os cientistas tentaram avisar: uma desordem genética estava levando os homens à extinção.
Agora, nessa utopia "pós apocaliptica", a sociedade é composta por uma geração totalmente feminina que nasceu de forma artificial e que nunca conheceu ou vai conhecer os homens e todas as patifarias que eles impuseram para se sentirem superiores. Elas se dividiram em pequenos distritos, cada um com uma bandeira ilustrada com alguma parte do corpo da Beyoncé, e trabalham juntas para dar continuidade à vida enquanto lidam com as próprias questões.
"Era uma vez uma época em que não existiam homens."- Pág. 29
A história principal se passa no distrito "Coxa da Beyoncé", onde Gaia, a prefeita nudista, trabalha para manter os ânimos na vila, e tem a ideia de construir um hospital para atender a região. E nesse ínterim, vamos conhecendo um pouco mais da vida das habitantes, Yumi, Layla, Lara, Uma, Ulaana, Naomi, Emiko, Ina e da Doutora através de várias tirinhas que vão mostrando alguns momentos e situações cotidianas delas como, por exemplo, Vovó Ulaana, a única da geração passada que viveu na época em que ainda existiam os homens. Ela é a responsável por ensinar um pouco sobre a cultura, costumes e até falar sobre as piadas do passado para as crianças e pra quem mais tiver curiosidade.
Ina é a poetisa que gosta de escrever e refletir sobre a vida, além de sofrer por gostar de Layla, que namora Lara. Layla e Lara não se entendem muito bem e vivem um relacionamento estranho de idas e vindas; Yumi sofre de ansiedade e decidiu meditar numa tentativa de se acalmar. Emiko é uma garotinha que adora ouvir as histórias da Vovó Ulaana e sonha em ser "segurança de shopping", e por aí vai. Cada uma tem seu propósito de vida.
As personagens vivem suas vidas normalmente e a falta dos homens não faz a menor diferença, pois além delas não precisarem deles, até mesmo caso queiram se tornar mães, elas estão empenhadas em viver em harmonia, desde a encontrar a própria identidade, a ter domínio sobre seus corpos, até a lutar contra a solidão e a ansiedade, ou a superar o amor não correspondido... E aqui vemos um processo gradual de reconstrução da sociedade na mão de mulheres, que trabalham, tem compaixão, podem falar o que pensam e andar por aí vestidas como quiserem (até sem roupa) sem perigo de serem julgadas ou assediadas, afinal, não dá pra sentir falta ou falar com propriedade daquilo que nunca se teve já que, com a extinção masculina, o machismo e o patriarcado não existem mais. Esse processo é interessante pois as personagens são curiosas e bolam algumas teorias bem engraçadas com o que vão encontrando pelo caminho e sobre os homens que viveram no passado.
Talvez a utopia aqui seja a ideia de um mundo pacífico e perfeito, sem preconceito, onde todo mundo se entende, todo mundo é sempre solidária com a outra, ninguém julga ninguém, ninguém invade o espaço de ninguém, todo mundo se respeita e se apoia, não existe violência e as mulheres são super unidas.
As tirinhas tem algumas sacadas inteligentes, algumas são engraçadas e algumas tem uma certa carga dramática, outras não tem muita graça ou parecem não se encaixar no tema, mas o resultado final é uma abordagem interessante não só sobre o feminismo em si, mas sobre os diversos tipos de relacionamentos que, independente de como o mundo se encontra, sempre vão existir. E através de uma ótica especial de várias experiências femininas, vemos como a amizade, o romance, a família e o trabalho vão se conectando e formando uma nova vida em sociedade que pra nós é algo super distante e impossível, mas que pra elas é super comum.
Um ponto que, ao meu ver, poderia ser melhor trabalhado e explicado por ter deixado uma brecha enorme, é exatamente a premissa, a ideia da anomalia genética que levou os homens a extinção. Nessa sociedade feminina podemos ver que a autora aborda a sexualidade das personagens e que existem mulheres hétero, bissexuais e trans, mas se a tal desordem é genética e afeta os cromossomos, não faz muito sentido mulheres trans não terem sido afetadas e continuarem existindo, enquanto os homens trans acabaram de vez. Essa parte ficou meio estranha pela falta de uma explicação, por mais mirabolante ou fantasiosa que fosse. Simplesmente não existe motivo e fiquei ???
O projeto gráfico é modesto, mas bem legal. As ilustrações tem traços simples, algumas expressões são exageradas e caricatas, mas combinam com a situação em que a personagem se encontra. As características, como estilo de cabelo, cicatriz e afins identificam bem as personagens e mesmo que algumas se pareçam, dá pra saber quem é quem. Os quadrinhos são em preto e branco e somente algumas páginas são coloridas com uma paleta de rosa e azul bem viva e chamativa.
Mundo Mulher é um compilado de tirinhas que podem ser consideradas um retrato do cotidiano e da rotina diária e normal dessas mulheres num mundo só delas, e mesmo que às vezes soe exagerado e não seja muito profundo, consegue passar uma mensagem positiva sobre o feminismo. Embora dê pra refletir sobre algumas questões e se pegar imaginando como seria um mundo só com mulheres, o livro não chega a apresentar questões filosóficas ou políticas profundas sobre essa nova sociedade, logo acredito que seja uma leitura adequada pra passar o tempo ou pra sair de uma ressaca literária.