Autor: Kazuo Ishiguro
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Romance/Fantasia/Parábola
Ano: 2015
Páginas: 396
Nota: ★★★★★
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Sinopse: Uma terra marcada por guerras recentes e amaldiçoada por uma misteriosa névoa do esquecimento. Uma população desnorteada diante de ameaças múltiplas. Um casal que parte numa jornada em busca do filho e no caminho terá seu amor posto à prova - será nosso sentimento forte o bastante quando já não há reminiscências da história que nos une?Resenha: O Gigante Enterrado, romance escrito pelo autor japonês Kazuo Ishiguro e publicado no Brasil pela Companhia das Letras é um livro que, resumidamente, se concentra em memórias, amor e guerra, motivando os personagens a um propósito.
Épico arturiano, o primeiro romance de Kazuo Ishiguro em uma década envereda pela fantasia e se aproxima do universo de George R. R. Martin e Tolkien, comprovando a capacidade do autor de se reinventar a cada obra. Entre a aventura fantástica e o lirismo, "O gigante enterrado" fala de alguns dos temas mais caros à humanidade: o amor, a guerra e a memória.
O livro se trata de uma parábola que integra fantasia como elemento numa civilização antiga da Grâ-Bretanha pós arturiana, uma terra marcada por guerras devastadoras e acometida por uma misteriosa névoa capaz de fazer com que os moradores da ilha esqueçam elementos do passado.
Em meio a este cenário, vamos acompanhar uma viagem insólita cheia de aventuras e descobertas feita por Axl e Beatrice, um casal de idosos que partem da vila onde moram a procura do filho após anos sem se encontrarem a fim de viverem com ele pois, na vila, são tratados com descaso por serem mais velhos. Eles irão lutar para não perderem as poucas lembranças que lhes restam pois o passado fora esquecido por todos. Não há memórias claras e precisas, seja de fatos ou pessoas, e para que não esqueçam um do outro precisam contar com a própria reciprocidade. Axl e Beatrice não se lembram onde o filho mora e nem das feições dele, assim, acreditando que são esperados, embora não tenham certeza do que irá acontecer quando chegarem ao destino, o casal parte nessa jornada onde irão se deparar com um universo fantástico em que seres míticos vagam pela terra e Cavaleiros da Távola Redonda ainda existem, além de descobrirem o que há por trás da névoa que amaldiçoou as aldeias.
A narrativa é feita em terceira pessoa e é bastante lírica, e acredito que a forma como tudo foi descrito faz com que a história seja subjetiva, fazendo com que possa, inclusive, ser interpretada de maneiras diferentes de acordo com a concepção do leitor.
Os personagens são bem construídos e emocionam. O casal Axl e Beatrice mostram que o tempo transforma sentimentos, e que a ausência de lembranças é responsável por moldar relações, seja de forma positiva ou não.
Não acredito que quem tiver o prazer de aproveitar desta leitura saíra dela sem entrar numa grande ressaca pois as mensagens nas entrelinhas são cheias de significados e lições, e os personagens, através de suas percepções, são a prova disto. Axl e Beatrice mostram que o tempo não só traz respostas, mas faz com que o amor cresça e se fortaleça.
Há outros personagens notáveis que têm papel fundamental na jornada do casal trazendo as próprias mensagens, e cada um que aparece faz com que o leitor repense a própria vida ou reflita sobre a importância de nossas lembranças, afinal, se somos feitos do que vivemos, o que seria de nós se não pudéssemos nos lembrar do que passamos até aqui?
Não acho que é o tipo de livro pra qualquer um, mas posso dizer que a mensagem que ele passa serve pra todos. É um livro complexo, que se desenvolve lentamente para que o leitor absorva e reflita cada palavra lida. Acredito que a lentidão é proposital para que a curiosidade pelo desenrolar dos fatos seja mantida até que os mistérios sejam, enfim, revelados. Somando isso a escrita poética e não tão fluída, pode soar monótono para aqueles que não estão a procura ou no clima de algo que remeta a tanta sensibilidade e profundidade e que deve ser lido sem pressa.
O trabalho gráfico é maravilhoso, com detalhes dourados que se destacam sobre o azul. A capa é áspera, lembrando uma lixa e a lateral das páginas é azul, do mesmo tom da capa. A diagramação é simples, os diálogos são em forma de aspas em vez de travessão e não encontrei erros na revisão.
O Gigante Enterrado é um livro que faz referência a várias outras histórias clássicas, mostra a ligação entre nossas lembranças e nossos sentimentos, mas também aborda as consequências daqueles que agem sem pensar, seja por orgulho ou egoísmo, a fim de imporem algo a força aos outros. É um livro que pode ser lido desconsiderando as metáforas, de forma literal, mas assim como o próprio título sugere, o significado é algo bem maior e que está sob a superfície propriamente dita.
Se você não é fã de fantasia, não se preocupe... A fantasia não passa de um elemento usado para contar uma história de vida, amor e perda, um meio para atingir um fim, porém, desenvolvida de forma diferente, colocando questões pessoais para nos fazer questionar se nossas lembranças afetam quem somos e a forma como percebemos o que está a nossa frente.
Pra quem gosta de livros profundos, que emocionam e trazem grandes lições de vida, é leitura obrigatória.