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Vulgo Grace - Margaret Atwood

8 de janeiro de 2018

Título: Vulgo Grace
Autora: Margaret Atwood
Editora: Rocco
Gênero: Drama
Ano: 2017
Páginas: 496
Nota:★★★★★
Sinopse: Inspirado num caso real, Vulgo Grace conta a trajetória de Grace Marks, uma criada condenada à prisão perpétua por ter ajudado a assassinar o patrão e a governanta da casa onde trabalhava, na Toronto do século XIX. Com uma narrativa repleta de sutilezas que revelam um pouco da personalidade e do passado da personagem, estimulando o leitor a formar sua própria opinião sobre ela, Atwood guarda as respostas definitivas para o fim. Afinal, o que teria levado Grace Marks a cometer o crime? Ou será que ela estaria sendo vitima de uma injustiça?

Resenha: Vulgo Grace é um romance de ficção especulativa baseado no caso real de Grace Marks, uma jovem imigrante irlandesa de dezesseis anos que, junto com James McDermott, foi acusada de ter assassinado seu empregador, Thomas Kinnear e sua governanta/amante Nancy Montgomery, no Canadá de 1843. Embora ambos tenham sido condenados da acusação, talvez pela falta de provas concretas, somente Grace escapou da pena de morte, mas passou muitos anos da sua vida em um manicômio e em numa prisão, até ter sido libertada e desaparecido. O fato é que, por mais que haja vários registros históricos sobre Grace, o caso da bela criada ainda é um mistério devido às várias contradições existentes em confissões, relatos, entrevistas, artigos e afins escritos sobre ela.
Grace foi uma jovem intrigante em varios sentidos, e por ter sido retratada como dona de várias personalidades distintas, nunca ficou claro se ela sofria de algum distúrbio mental ou se ela era uma manipuladora mentirosa e fatal.

Assim, utilizando o caso como base, a renomada escritora Margaret Atwood construiu uma trama fascinante onde o leitor é desafiado a descobrir o que faz ou não parte a ficção, quando é convidado a acompanhar o jovem psiquiatra Dr. Simon Jordan, que fora contratado por uma comissão local que quer provar a inocência da condenada, em uma tentativa de não só desbloquear várias memórias desaparecidas, como desvendar os mistérios da mente de Grace.
"De qualquer modo, Assassina é uma palavra forte para estar associada à sua pessoa. Tem um odor característico, essa palavra, almiscarado e sufocante, como flores mortas em um vaso. Às vezes, à noite, eu a sussurro para mim mesma: Assassina, Assassina. Ela produz um som farfalhante, como uma saia de tafetá pelo assoalho."
- Pág. 33
A escrita de Margaret Atwood é poética, com detalhes e descrições que transportam o leitor para a atmosfera que ela construiu através dos olhos de Grace. Embora tudo seja descrito com perfeição, seja os fragmentos dos fatos pesquisados ou ficção, há momentos em que nos questionamos sobre a veracidade do que Grace, como personagem, diz e cada frase pode ter um significado oculto que poderá fazer diferença no futuro...
É interessante acompanhar a problemática de Grace, que devido a falta de memória, não consegue distinguir se ela realmente matou o casal ou se foi apenas uma cúmplice do verdadeiro assassino. E tanto por sua beleza como pela forma como ela narra os acontecimentos, Dr. Jordan se impressiona e parece que o interesse vai além do que somente investigar a mente da mulher. Ele fica tão envolvido com o caso que começa a ser afetado de uma forma curiosa e bem intrigante, e isso é perceptível através de seus atos e pensamentos.

Além dos elementos verídicos, a história se completa com poemas, sonetos, documentos, citações e afins intercalados em meio a narrativa de forma a construir uma trama plausível e muito convincente, principalmente quando a cultura e os costumes da época são evidenciados a fim de tornar a história muito mais rica do que parece.

Este é o segundo livro que li da autora, o primeiro foi O Conto da Aia, e assim como ele, Atwood incorpora questões envolvendo o patriarcado, a sociedade machista, a opressão, os abusos que as mulheres sofrem, e Grace não fica de fora disso. É aquele tipo de leitura que fere, que causa indignação e repulsa, mas ainda assim serve para abrir os nossos olhos.
Muito do que as mulheres sofriam na mãos dos homens era encarado como algo normal da época, e na maioria das vezes a culpa sempre recaía sobre a mulher pelo simples fato de ela ser mulher.

Enfim, a história tem todo um clima de mistério e é impossível não se envolver com o caso e com os personagens, por mais complexos e imperfeitos que sejam. Confesso que devido ao excesso de detalhes a leitura em alguns momentos é um pouco cansativa e lenta, mas penso que sejam necessários para retratar o século XIX com a devida fidelidade e situar o leitor à época. Vulgo Grace é uma leitura imperdível sobre uma das mulheres mais enigmáticas da época cujo mistério ainda causa fascinação.


O Conto da Aia - Margaret Atwood

2 de dezembro de 2017

Título: O Conto da Aia
Autora: Margaret Atwood
Editora: Rocco
Gênero: Distopia/Drama
Ano: 2017
Páginas: 368
Nota:★★★★★
Sinopse: Escrito em 1985, o romance distópico O conto da aia, da canadense Margaret Atwood, tornou-se um dos livros mais comentados em todo o mundo nos últimos meses, voltando a ocupar posição de destaque nas listas do mais vendidos em diversos países. Além de ter inspirado a série homônima (The Handmaid’s Tale, no original) produzida pelo canal de streaming Hulu, o a ficção futurista de Atwood, ambientada num Estado teocrático e totalitário em que as mulheres são vítimas preferenciais de opressão, tornando-se propriedade do governo, e o fundamentalismo se fortalece como força política, ganhou status de oráculo dos EUA da era Trump. Em meio a todo este burburinho, O conto da aia volta às prateleiras com nova capa, assinada pelo artista Laurindo Feliciano.

Resenha: O Conto da Aia, da escritora canadense Margaret Atwood, é um romance distópico que foi escrito na década de 80 e recentemente ganhou um enorme destaque ao servir de inspiração e ser adaptado para a série de mesmo nome, The Handmaid’s Tale.

A degradação do meio ambiente afetou a fertilidade e a sobrevivência humana está em risco. Agora, após um grande e violento golpe que derrubou a constituição, o poder foi tomado e está literalmente na mão dos homens, que não só criaram um modelo de estado teocrático, agora conhecido como República de Gilead, como segregaram - e inferiorizaram - as mulheres dando a elas funções específicas de acordo com sua "classe". Ou elas são as Esposas inférteis dos comandantes, ou servem como Marthas (domésticas), ou são exploradas como Aias... As Aias são as poucas mulheres que ainda são capazes de engravidar, sendo a única esperança dos comandantes e suas esposas amarguradas de terem um filho.

E partindo dessa premissa, acompanhamos um relato em primeira pessoa da trajetória difícil e cheia de horrores daquela que se tornou uma Aia e passou a ser chamada de Offred, que literalmente significa que ela é "do Fred", que pertence a esse homem como se fosse um mero objeto. Através do seu ponto de vista, Offred descreve esse modelo de sociedade pós colapso político que, embora inaceitável, não deixa de ser crível (principalmente levando em consideração os temas atuais se comparado ao ano em que foi escrito), focando numa nova e terrível condição feminina, onde a mulher é privada de tudo, desde uma simples leitura até o contato social fora de casa, e seu único direito é o de servir obedientemente ao seu dono. E mesmo que seja tratada como um estorvo pela esposa do comandante, a Aia é um "mal necessário" que tem que se conformar com seu destino até cumprir com sua "função biológica".

O desenvolvimento da trama é muito lento e às vezes confuso, talvez por se limitar a visão de Offred trazendo flashbacks de sua vida antes do ocorrido e ela ainda estar se adaptando a essa vida cheia de regras e leis bizarras, e à sua nova situação servindo como Aia, tanto que ela se perde nos próprios pensamentos, divaga ou sempre repete alguma coisa absurda, como se a intenção fosse reforçar a fragilidade da protagonista e evidenciar o quanto ela está vulnerável na condição de objeto reprodutor.

E não, o livro não retrata uma luta contra esse sistema e nem trás uma história de resistência cheia de reviravoltas. É um livro que trás o horror sofrido pelas mulheres desencadeado pelo machismo e pelo fanatismo religioso através da visão de alguém que está vivendo aquilo tudo. E é algo que incomoda e deixa um gosto amargo, e que nos faz questionar sobre como seria se esta fosse a nossa realidade.
A história é cruel e é impossível não fazer comparações, principalmente quando paramos pra pensar e percebemos que a cada dia que passa, a sociedade parece não evoluir, mas sim se torna cada vez mais retrógrada quando a motivação de muitos é apoiar o conservadorismo baseado em preceitos bíblicos absurdos e odiosos...