Temporada: 1 | Episódios: 5
Distribuidora: HBO
Elenco: Jared Harris, Emily Watson, Stellan Skarsgård, Paul Ritter, Jessie Buckley
Gênero: Drama/Obra de época
Ano: 2019
Duração: 60min
Classificação: +16
Nota:★★★★★♥
Sinopse: Ucrânia, 1986. Uma explosão seguida de um incêndio na Usina Nuclear de Chernobyl dizima dezenas de pessoas e acaba por se tornar o maior desastre nuclear da história. Enquanto o mundo lamenta o ocorrido, o cientista Valery Legasov, a física Ulana Khomyuk e o vice-presidente do Conselho de Ministros Boris Shcherbina tentam descobrir as causas do acidente.
Pripyat, Ucrânia: Em 26 de abril de 1986, um reator da Usina Nuclear de Chernobyl explodiu durante um teste de segurança, causando o maior desastre nuclear da história da humanidade. A contaminação atingiu 3/4 do território europeu, e a radioatividade lançada na atmosfera era equivalente a mais de 200 bombas atômicas, iguais a que atingiu Hiroshima.
Porém, os soviéticos jamais cogitaram a hipótese de que o reator em questão pudesse explodir. Eles não tomaram as medidas de segurança necessárias antes ou depois da tragédia e catástrofe não só afetou - e matou - milhares de pessoas, como foi o estopim para a quase falência e dissolução da União Soviética.
Baseada nesse contexto histórico, a HBO não perdeu tempo em produzir Chernobyl, uma minissérie intensa, significativa e relevante, e que retrata as causas e as consequências - sociais e políticas - do acidente. E se levarmos em consideração as questões políticas da atualidade, as coisas se tornam ainda mais preocupantes do que parece.
Assim, vamos acompanhando as explicações de como funciona um reator nuclear e o porquê, na teoria, o mesmo jamais poderia explodir, mas a medida que os fatos vão sendo levantados, percebemos que ambição e negligência foi a combinação responsável pelas falhas que ocasionaram a terrível explosão, que jogou no ar incontáveis partículas radioativas, e que poderia vir a ser um desastre de nível global, caso o problema não fosse contido a tempo.
Dividida em cinco episódios com arcos distintos, a série começa com um suicídio e logo em seguida volta exatos dois anos no tempo para mostrar a explosão do reator e as circunstâncias que envolveram o acidente, desde a arrogância como os trabalhadores eram tratados, a descrença do chefe da usina de que algo deu errado, a negligência dos responsáveis em não conter o incêndio da maneira correta expondo de imediato dezenas de pessoas à radiação, a percepção tardia de que o problema era muito mais grave do que imaginaram, e a demora para tomarem providências contra o desastre até assumirem que algo deu muito errado. E enquanto isso, as informações eram omitidas ou adulteradas para que ninguém soubesse da real gravidade da situação. A União Soviética não poderia assumir que seus métodos eram passíveis de falhas. Isso significaria um atraso nas corridas tecnológicas contra os EUA e uma imagem manchada que precisaria ser evitada a todo custo, mesmo que pra isso sacrifícios tivessem que ser feitos enquanto o governo tentava acobertar o desastre.
E é exatamente esse tipo de resistência que torna a vida dos cientistas e dos demais envolvidos um verdadeiro inferno, pois eles precisam trabalhar sem descanso para resolverem o problema, ao mesmo tempo que devem cumprir ordens dos poderosos que não querem perder suas posições políticas, e isso incluía a proibição de vazar informações confidenciais e afins para que a reputação da grande potência que era a URSS, não fosse comprometida perante ao mundo. Os responsáveis não hesitavam em afirmar que o acidente estava sob controle, que não representava riscos pra população, mas mandavam seus subordinados por a vida em risco em direção ao buraco no teto aberto pelo reator, pondo a cara dentro da fumaça radioativa e sofrendo queimaduras instantâneas de sabe-se lá qual grau, enquanto eles se escondiam do perigo que eles mesmos negavam existir, os hipócritas. Se não tinha perigo, por que não iam eles mesmos?
Mesmo que o desastre tenha acontecido há mais de 30 anos, as consequências existem até hoje e vão continuar existindo por centenas de gerações. A maior área afetada abrange 2600km e é inabitável. Vários objetos permanecem isolados, como as roupas usadas pelos bombeiros que foram descartadas num porão do hospital e estão intocadas até então devido ao altíssimo e mortal nível de radioatividade que elas apresentam.
Um ponto bastante positivo da série remete à forma utilizada para exposição de informações, assim como o desenvolvimento dos relacionamentos entre os envolvidos. Muitas vezes os espectadores precisam de explicações para compreenderem a história e a situação vivenciada pelos personagens, e a série consegue passar tudo com a devida maestria, sem que nada soasse forçado ou subestimando a inteligência de quem assiste. A atuação dos atores é impecável, e eles convencem se passando por profissionais qualificados que realmente entendem do assunto e sabem do que estão falando, e isso torna as coisas muito mais realistas, sólidas e críveis. É diferente quando você assiste um filme e percebe que o ator só está reproduzindo frases decoradas de um tema complexo sem ter a menor noção do que se trata, mas aqui não ficamos com essa sensação, até mesmo porque um tema aparentemente complexo é explicado de uma força acessível, e que todos conseguem entender sem dificuldades. Nós terminamos a série sabendo, por exemplo, da forma mais natural, interessante e prática possível, como um reator nuclear do modelo RBMK funciona, sem que pareça uma aula chata de física. É interessante acompanhar alguns profissionais que representam figuras de autoridade e cheios de si deixando o orgulho de lado a medida que vão compreendendo a gravidade da situação e formando amizades.
A parte técnica da minissérie também é executada com perfeição, desde a fotografia, que expõe um cenário que vai morrendo e se acinzentando a medida que o perigo se espalha, até a trilha sonora, que é composta por sons metálicos e que colaboram para gerar tensão, desconforto e termos a sensação de um ar carregado, como se fosse possível sentir na pele não só o perigo que paira no ar, mas também o gosto do metal.
A maquiagem também é incrível, tanto para mostrar as vítimas com seus corpos em processo de deterioração após as queimaduras, quanto para evidenciar o quanto a radiação afetou e diminuiu a expectativa de vida dos envolvidos. É incrível ver que em poucos meses a pessoa afetada parece ter envelhecido décadas e ter virado um caco humano.
No episódio final, temos um julgamento em busca de condenar os culpados e a reconstituição do momento em que houve a explosão, e ali podemos compreender não só o que realmente aconteceu, mas também quais as consequências e o custo das mentiras.
Assim, por mais que a minissérie não se aprofunde ou dê maiores detalhes sobre o contexto político da época, é inegável que ele está implícito em cada decisão tomada, seja antes da tragédia e depois dela. Isso acaba levando os mais curiosos a pesquisarem sobre os fatos para complementar as informações passadas e, assim, descobrimos que as mentiras e as sujeiras vinham sendo implantadas ali há vários e vários anos, e são bem piores do que a ficção mostra...
Com a Guerra Fria vivendo um dos momentos mais decisivos da História, e justamente para ficar à frente dos EUA, a União Soviética não media esforços para se expandir cada vez mais, ter mais poder, e usar toda a tecnologia disponível ao seu favor para superar seu maior concorrente e inimigo. O problema é que isso foi feito de forma inconsequente e irresponsável, o governo prezava por números e quantidade, e não por qualidade, e isso não poderia acabar bem... O desespero para não ficar atrás dos EUA era tanto que as coisas eram construídas às pressas, com materiais baratos e que não garantiam a segurança de ninguém. E como se isso não fosse surreal e absurdo o bastante, os próprios engenheiros das usinas, sejam eles chefes ou não, não eram informados pelo governo que investia naquilo sobre as reais condições das máquinas e reatores que precisavam controlar para gerar energia para as cidades, logo, eles se recusavam a acreditar ou não entendiam como algo poderia dar errado. E se algum subordinado questionasse a autoridade ou as ordens de um engenheiro-chefe, ele corria o risco de nunca mais conseguir um emprego na vida. É inevitável sermos consumidos pela indignação, pelo sentimento de impunidade e descaso por parte daqueles que deveriam priorizar a segurança e o bem estar de todo um país.
Se embates ideológicos e empreitadas políticas estão acima dos interesses do povo, o que será de nós se algo do mesmo nível acontecer e ninguém ser informado a tempo por "questões de imagem"? A mistura de fascínio com terror segue inspirando as pessoas a conhecerem mais desse fatídico evento que marcou a história. Após assistir a série, é inevitável sair em busca de maiores informações sobre a tragédia, e é impressionante descobrir que, embora a minissérie tenha sido bastante completa e esclarecedora, ainda há muita informação sobre o ocorrido, sobre alguns sobreviventes, sobre o local hoje em dia, e sobre o governo em si, que deixa qualquer um chocado em cristo. Com exceção da personagem Ulana Khomyuk, que foi criada para representar a comunidade de cientistas que auxiliaram Valery Legasov, todos os demais representam as pessoas reais envolvidas e afetadas pelo desastre. A série acerta em todos os aspectos, drama, ambição, ganância, negligência, mentiras, desespero, sacrifício, redenção e tudo que rege a humanidade como um todo
Chernobyl confrontou o governo russo ao expor dados, até então, omitidos e adulterados acerca do desastre de forma objetiva e imparcial. A minissérie não se encarrega apenas de retratar o que a tragédia desencadeou no mundo todo com a devida maestria, como também nos fazer questionar sobre o preço que se paga pelas mentiras e até onde podemos confiar (ou não) no nosso governo...