Título: A Menina que Fazia Nevar
Autora: Grace McCleen
Editora: Paralela
Gênero: Religião/Literatura Estrangeira
Ano: 2013
Páginas: 312
Nota: ★★☆☆☆
Sinopse: Todos os dias se parecem na vida que Judith McPherson leva ao lado do pai. Eles têm uma rotina simples e reclusa, numa casa repleta de lembranças da mãe que ela nunca conheceu, e as únicas pessoas com quem convivem são os fiéis da igreja cristã a que pertencem. Judith não tem amigos na escola, onde é alvo de gozações, e para encontrar consolo se refugia no mundo de sucata que construiu em seu quarto. Lá, cada dia é um dia, e a vida pode ser incrivelmente feliz graças a sua imaginação. Basta acreditar que a Terra Gloriosa, como ela chama sua maquete, é realmente o paraíso prometido onde um dia vai viver ao lado da mãe. Aos dez anos, Judith vê o mundo com os olhos da fé, e onde os outros veem mero lixo, ela identifica sinais divinos e uma possibilidade de criar. Assim, constrói bonecos de pano e inventa para eles histórias felizes na Terra Gloriosa. O que nem Judith poderia imaginar é que talvez seu brinquedo seja mais do que uma simples maquete. Pelo menos é o que parece quando ela cobre a Terra Gloriosa de espuma de barbear e a cidade aparece coberta de neve na manhã seguinte. Um pequeno milagre, é assim que ela interpreta esse e outros sinais parecidos. Tão pequeno que muitas pessoas poderiam pensar que não passa de coincidência, mas Judith sabe que milagres nem sempre são grandes, e que reconhecê-los é um dom de poucas pessoas. Longe de ser benéfico, no entanto, esse poder traz consigo uma grande responsabilidade. Afinal, seria certo usar a Terra Gloriosa para se vingar de Neil Lewis, o colega que a maltrata todos os dias na escola?
Resenha: Judith é uma garotinha de 10 anos que vive com o pai, é órfã de mãe e vive muito sozinha já que não tem amigos. Ela possui uma maquete, que chama de "Terra Gloriosa", onde construiu a cidade onde mora e os habitantes, projetando um tipo de paraíso, tudo feito de sucata e itens descartáveis, como forma de passar o tempo. Até que um dia Judith cobre a maquete com espuma branca, e para sua surpresa, a cidade amanhece coberta de neve. Judith associa o ocorrido a um milagre, acredita ter poderes "divinos" mas não imagina a responsabilidade que teria sobre suas ações.
O livro tem uma capa linda, foi muito bem escrito, teve uma revisão impecável e tem o tipo de narrativa que flui de forma fácil, que descreve todos os detalhes, emoções e características muito bem apesar de ser repetitivo em algumas descrições ou denominações. Não sou muito religiosa, mas às vezes gosto de ler livros que trazem histórias do gênero, que fazem refletir e pensar (ou reforçar a crença) que existe algo maior do que a gente, mas esse livro não me tocou, e muitas vezes me fez perder a paciência. Ele expõe uma história com detalhes delicados, tristes e até mesmo trágicos, que nos leva a pensar que se passamos por algo ruim a ponto de deixarmos de ter fé, é porque deve existir um motivo maior, mesmo que inexplicável, como forma de aprendizado ou castigo, pois Deus sabe o que faz com o destino de cada um, ou coisa do tipo. Porém, a forma de expor a fé aqui me agradou muito pouco, quase nada, principalmente quando levei a sinopse em consideração para optar por essa leitura, pois ela passa uma ideia totalmente diferente do que encontrei na história ao lê-la. Fico incomodada quando alguém tenta forçar a religião de forma exagerada, e o pai de Judith é exatamente daquele tipo que sai batendo na porta dos outros pra pregar a palavra e enfiar Deus goela abaixo do povo de forma incômoda e inconveniente.
Mas enfim... por mais que a história aborde o milagre da "Terra Gloriosa" e a questão da fé absoluta, que move montanhas, há muitas outras coisas que ficaram explícitas mas contadas de forma sutil, talvez para mascarar a gravidade do assunto, e que podem incomodar, e muito, aqueles que acham que há coisas desnecessárias, dispensáveis e exageradas na religião e/ou em alguns religiosos fanáticos.
Judith sofre bullying constantemente na escola nas mãos do intragável Neil Lewis (ele me lembrou o Nelson Muntz, personagem de Os Simpsons), pois como só fala de religião, não tem amigos e é considerada a esquisita da turma. Ela ainda é tratada com descaso pelo próprio pai, que concentrou a frustração e todas as energias que lhe restaram de forma fervorosa na religião, por ter perdido a esposa, que teve complicações no parto, e ter ficado incumbido de cuidar da filha sozinho. E talvez a vida dela poderia ter sido salva, mas a religião proíbe transfusão de sangue e nada pode ser feito. É pra morrer de ódio e desgosto desse tipo de "crença".
Judith cresceu acreditando que o pai não a ama pois a culpa pela mãe ter morrido é dela, e em vez do imbecil tratá-la com amor e carinho, é distante e faz com que o ambiente familiar fique extremamente tenso. A menina se encontra constantemente sozinha e deprimida, vive pra rezar, espera pelo Apocalipse a qualquer momento e passa a ter um amigo imaginário, que apesar de ser fruto de sua imaginação, é o próprio Deus que a leva a acreditar que todas as tragédias que acontecem na cidade é culpa dela e do poder que ela tem sobre sua maquete, e que ela ainda deve responder pelas escolhas que faz, como se fosse uma criminosa.
Fico pensando que tipo de gente tem coragem de abusar psicologicamente de uma criança inocente e indefesa a ponto de fazê-la sofrer tanto e ficar tão confusa quanto Judith fica aqui, sem saber a quem recorrer e o que fazer. É muito sofrimento, muita injustiça pra uma história só, com um tipo de fé abordada de forma que, pra mim, foi completamente inadequada. E fora que não faço ideia de qual foi a intenção da autora ou no que, ou como, ela acredita.
A única personagem que realmente me agradou foi a professora substituta da escola (e que esqueci o nome), pois ela tem senso e sabe discernir o certo do errado, procurando ser sempre justa e correta. E fora que ela é a única que vê que Judith tem problemas sérios, mas sempre é afastada pela menina.
Vou confessar que tive um pouco de dificuldade pra elaborar essa resenha, pois nem sempre é fácil falar do tema sem que alguém leve as coisas pra outro lado e não se sinta ofendido, mas nem sempre somos obrigados a concordar ou a acreditar naquilo que o outro acredita, e dependendo do nível de exagero, fica difícil até ter algum respeito por certas atitudes absurdas que são tomadas em nome de Deus.
No geral, é um livro que faz pensar, tanto pela questão da fé, dos milagres, da questão social, das injustiças do mundo e dos malefícios de tudo que é feito em excesso. Foi um livro que pra mim não funcionou muito bem, mas talvez pessoas com outro tipo de visão sobre o assunto vejam outro tipo de mensagem na história, ou aproveitem e absorvam melhor.