Editora: Verus
Gênero: Realismo mágico/Jovem adulto
Ano: 2019
Páginas: 252
Nota:★★★☆☆
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Sinopse: Eis algo que todo mundo quer: um milagre. Eis algo que todo mundo teme: o que é preciso para conseguir um... Qualquer pessoa que visite Bicho Raro, no Colorado, vai encontrar um cenário de santos sombrios, amor proibido, sonhos científicos, corujas loucas por milagres, afetos distantes, um ou dois órfãos e um céu cheio de estrelas vigilantes. No coração desse lugar está a família Soria, cujos membros têm a capacidade de realizar milagres. E no coração dessa família estão três primos que desejam mudar o futuro: Beatriz, a garota sem sentimentos, que quer apenas ser livre para examinar seus pensamentos; Daniel, o santo de Bicho Raro, que faz milagres para todo mundo, menos para si; e Joaquin, que passa suas noites no comando de uma estação de rádio usando o nome Diablo Diablo. Eles estão todos à procura de um milagre. Mas os milagres de Bicho Raro nunca são exatamente o que você espera.
Resenha: Todos os Santos Malditos, escrito por Maggie Stiefvater e publicado no Brasil pelo selo Verus da Editora Record, é um livro fantástico que faz um misto com drama e romance em meio a uma mitologia mágica e cheia de excentricidade. A história se passa na década de 60 e traz a família Soria como a responsável pelos acontecimentos que se passam alí. Os Soria ficaram conhecidos na cidadezinha minúscula de Abejones, no México, como Los Santos por realizarem milagres, e centenas de pessoas saíam de todos os cantos rumo as cercanias de Abejones em busca de bênçãos e curas para seus piores tormentos. Mas, o governo do México não aceitava essas práticas e passou a ameaçá-los para que parassem com os milagres, o que fez com que os Soria buscassem a ajuda e a proteção da Igreja Católica, mas foram igualmente ameaçados por suas práticas serem "obscuras". Eles, então, partiram em busca de um lugar seguro onde pudessem dar continuidade a esse legado, e depois de percorrerem mais de 3 mil quilômetros, chegaram no estado do Colorado, nos EUA, onde encontraram o lugar ideal, silencioso e cercado por montanhas onde se instalaram. Eis que surgiu o pequeno vilarejo de Bicho Raro. Alí os santos da família Soria poderiam viver tranquilos além de poderem "ouvir" de longe e ficarem a espera dos forasteiros, ou peregrinos, que iam em direção a eles em busca do milagre de que precisavam.
Porém, os milagres são dividos em duas partes. O santo que realizava o milagre só era capaz de retirar e mostrar a escuridão que consumia quem necessita de sua ajuda. Após isso, a própria pessoa deveria dar continuidade ao processo, enfrentando sua escuridão para se livrar dela, superar e, assim, poder seguir em paz e rumo a luz, caso contrário, ficaria presa as trevas, da pior forma possível. Os santos também não podiam interferir nessa segunda fase do milagre e precisavam se afastar dos peregrinos "agraciados", ou teriam que lidar com uma escuridão ainda pior... Sendo assim, os milagres soavam muito mais como uma maldição já que as pessoas não eram capazes de lidarem com os próprios problemas ao se depararem com eles cara a cara, e ficavam estagnadas nos arredores de Bicho Raro sob formas ou circustâncias tão curiosas quanto apavorantes.
Várias décadas se passaram, e chegamos em 1962, onde temos os três jovens primos que estão no coração dos Soria: Beatriz, Daniel e Joaquim. Embora eles tenham plena consciência da importância do dom que carregam, somente Daniel, que tem dezenove anos, está preocupado em realizar os milagres, e o que ele mais queria era poder ajudar aqueles que não se permitem ser ajudados. Beatriz, com dezoito anos, é mais razão e tem zero emoção, e ela quer ser livre para se dedicar à ciência, analisar e refletir sobre todos os seus pensamentos. E Joaquim, que tem dezesseis anos, só quer saber de tocar a estação de radio pirata da família sob o codinome Diablo Diablo, então através dele também acompanhamos a "trilha sonora" da história.
Até que um dia, Tony DiRisio, um homem um tanto ranzinza de meia idade que dirigia sua perua Mercury amarelo ovo lá no Kansas, conhece Pete Wyatt, um jovem cristão que lhe pediu uma carona, e, por coincidência, os dois estavam indo para o Colorado, mais especificamente para Bicho Raro. Enquanto Tony estava em busca de um milagre sem saber ao certo qual era seu problema, Pete só queria arranjar um caminhão para poder trabalhar num negócio que o fizesse se sentir feliz, logo isso não fazia dele um peregrino. Daniel faz o milagre em Tony, e logo depois parte para o deserto para se afastar de sua família. O motivo? Ele está apaixonado por Marisita, uma peregrina a quem ele ajudou e que agora sofre as consequências de ainda não ter conseguido lidar com a própria escuridão, que se manifestou como uma chuva incessante sobre sua cabeça. E como uma das regras dos Soria é se afastar daqueles que receberam os milagres, Daniel não vê outra alternativa a não ser deixar uma carta para Beatriz avisando que iria atrás de Marisita, confiando que ela usaria a razão para entender sua motivações para insistir em algo proibido, e ir embora para não afetar a família. E partindo dessa premissa, a história se desenrola mostrando as consequências das escolhas dos personagens e como eles lidam com tudo isso.
O livro é narrado em terceira pessoa e, assim como os demais livros da autora, tem uma escrita refinada e bastante poética, mas vou ser bem sincera em dizer que, pelo menos pra mim, quando um livro não me prende no início por dar mais a impressão de confusão do que imersão, a ponto de eu precisar recomeçar, é um problema. Li os três primeiros capítulos pra perceber que não tinha entendido nada, e lá fui eu voltar pro começo. Contextualizar a premissa foi um pouco difícil, mas acho que consegui captar a parada pra poder explicar a base da trama. Não sei se eu estar esgotada da cabeça interferiu nessa falta de compreensão inicial. Talvez se eu tivesse encontrado um resumo com essas explicações antes, eu poderia estar mais preparada pra leitura e não teria perdido tempo boiando pelas páginas com cara de Nazaré Tedesco confusa.
É muita gente em meio a descrições de características ou situações bizarríssimas, como uma cabra prenha que fica muito cansada ao parir a primeira cabrita e depois de meses resolve ter o outro filhote. Ou os cachorros degenerados de Bicho Raro que têm gênio ruim e por isso comeram os irmãos ainda na barriga da mãe impaciente. Ou um bebê que perde seus cílios postiços do útero ao nascer e logo em seguida coloca outro no lugar. No meio disso ainda há cortes pra divagações e flashbacks que interrompem a cena e o ritmo da leitura. Enfim... é difícil se acostumar e se familiarizar com essa mitologia diferente e com a construção de mundo baseada no realismo mágico, pois tudo é jogado em cima do leitor sem uma origem, sem um contexto, sem explicações, e a gente que lute. Talvez a intenção do gênero seja realmente fazer contrapontos ao que consideramos "normal" na fantasia para que cada um possa ter a própria interpretação, como é o caso das características esquisitas que os personagens adquirem quando estão com a escuridão materializada sobre eles, mas assumo que não é algo que eu esteja acostumada a encontrar por aí. Então, fiquei com aquela sensação de que a autora (que já tem uma escrita divina, e isso pra mim já basta), quis dar uma enfeitada inserindo um ar filosófico e artístico do gênero, mas virou um amontoado de elementos e detalhes sem muito propósito e que não fariam diferença pro desenrolar da história se não estivessem alí. A mesma história poderia ter sido contada de um jeito menos confuso. E pra mim, o problema é que, mesmo entendendo a base dessa história, com o passar das páginas as coisas continuam esquisitas e confusas, mas o que salva são os dilemas profundos dos personagens, e como eles lidam com isso.
Os personagens principais são bem construídos e possuem camadas únicas e bem interessantes de se acompanhar, cada um com suas qualidades e defeitos, mas os personagens secundários, com exceção de Marisita, me soaram como um amontoado de gente com características descritas de forma resumida e genérica, às vezes irrelevantes, e com pouco espaço para aparecerem e serem aprofundados como eu gostaria.
Se Bicho Raro não fosse um lugar fictício, tenho certeza que entraria no Guinness como o lugar com a maior variedade e concentração de corujas curiosas da face da Terra, e, talvez, o único lugar onde há um deserto que não é só um cenário, mas um personagem tão vivo quanto os demais. No mais, Todos os Santos Malditos, embora seja um livro excêntrico, é indicado pra quem procura por uma leitura que aborda o medo, a perda, os amores proibidos, a esperança, e o que há de mais obscuro relacionado às particularidades do ser humano. Basta abrir a mente e o coração e se permitir ser envolvido por essa história tão estranha quanto única.