Autoras: Dhonielle Clayton, Tiffany D. Jackson, Nic Stone, Angie Thomas, Ashley Woodfolk e Nicola Yoon
Editora: Seguinte
Gênero: Romance/Jovem Adulto
Ano: 2023
Páginas: 320
Nota:
★★★★☆Sinopse: A quatro dias do Natal, a cidade de Atlanta se vê coberta de neve. E Stevie se vê prestes a perder a namorada para sempre. Afinal, Sola deu um ultimato: se Stevie não compensar o grande erro que cometeu até a meia-noite, o relacionamento das duas terminará de vez.
Stevie nunca foi de fazer grandes gestos românticos, mas dessa vez terá que caprichar. Para isso, ela vai contar com a ajuda de seus amigos, cada um responsável por uma pecinha do grande plano para reconquistar Sola. O que eles não esperavam era ter que lidar com seus próprios sentimentos, romances mal resolvidos, e com a neve que não para de cair.
Resenha: Nevasca reúne contos escritos pelas mesmas autoras de
Blackout, que narram histórias de amores mal resolvidos mantendo a mesma abordagem LGBTQIA+ e representatividade negra que caracterizam a antologia anterior. Apesar de terem uma estrutura diferente, Blackout se passa num verão escaldante e tráz histórias que vão se interligar em meio a um apagão em Nova York, Nevasca narra as histórias no inverno, durante uma grande nevasca que ocorre em Atlanta e provoca um enorme caos faltando quatro dias para o Natal.
O livro traz um enredo principal onde Stephanie, ou Stevie, uma adolescente de dezesseis anos e aspirante a cientista, acabou estragando seu namoro com Adesola, ou Sola, quando decidiu fazer um experimento científico com o próprio relacionamento antes de ir para um jantar bastante especial com a família da namorada, e tudo deu errado. Depois do evento fatídico, ela volta pra casa, fica de castigo e sem celular ou qualquer outro meio de comunicação, não consegue responder as mensagens de Sola que, então, resolve lhe dar um ultimato: Stevie tem até a meia-noite para fazer uma reparação significativa para merecer ser desculpada, caso contrário será tarde demais. Então, ela bola um plano e pede ajuda para seu grupo de amigos, Kaz, Porsha, E.R, Jimi e Ava numa tentativa deles ajudarem a consertar as coisas. O problema é que Atlanta foi tomada pela nevasca atípica e pelo caos que veio junto com ela, atrapalhando todo mundo.
A narrativa é feita em primeira pessoa com onze capítulos que trazem o nome da personagem que está contando a situação, onde ela está, a hora e quanto tempo falta para a famigerada meia-noite, como se fosse uma contagem regressiva pra mostrar que o tempo que Stevie tem pra dar jeito no problema está se esgotando. Cada um desses amigos de Stevie também têm suas questões e dilemas relacionados aos seus relacionamentos, que trazem diversidade e representatividade, que são apresentados em seus respectivos capítulos e se alternam com os de Stevie. Os desafios que eles enfrentam devido a nevasca acabam contribuindo pro ar de tensão nas histórias, que vai além dos amores mal resolvidos.
Stevie - ★★☆☆☆Sobre os personagens, acho que ou a gente ama ou odeia, e a protagonista Stevie foi a que mais despertou meu revirar de olhos, o que chega a ser até absurdo considerando que a história dela é a principal. Os capítulos destinados à ela (1, 3, 7, 9 e 11) são mais curtos por acrescentar algumas outras informações e lembranças marcantes que vão formando a história, mas é difícil acompanhar uma personagem que lembra um
Sheldon Cooper de
The Big Bang Theory, especialmente quando ela mesma diz que tem o "gênio difícil". Ela parece não ser capaz de entender o que é estar apaixonada a ponto de querer fazer experimentos científicos pra ter uma resposta, e não sabe bem como demonstrar afeto, mesmo que se esforce, mas a verdade é que só reparei na forma que ela se acha superior, acha que os outros devem ficar a sua disposição pra resolver problemas que ela mesma causou, e tem pouca sensibilidade quando o assunto diz respeito aos sentimentos de Sola, talvez por ela ter muita dificuldade em demonstrar os seus próprios. Nem a forma bonita como ela descreve os detalhes das experiências legais e de tudo o que ela observa na namorada salvou, e nem a conversa com Ern, o irmão de E.R., onde ela expõe tudo o que está entalado e a fazendo sofrer. Eu criei uma imagem super negativa dela como pessoa que inteligência nenhuma supera
. A história dela só é razoavelmente aceitável por causa do desfecho, a forma que ela encontra pra se desculpar com Sola é realmente uma gigantesca prova de amor (cafona, não nego, mas o que vale é a intenção), mas os amigos ficaram encarregados de grande parte do serviço.
Kaz - ★★★☆☆
A segunda história é narrada por Kaz e eu tive um misto de sensações enquanto lia que só não foi pior do que minha impressão sobre Stevie. Mas não por causa de Kaz, que é super legal, mas por causa de Porsha que faz parte desse círculo de amigos e é a pessoa - e melhor amiga - que Kaz ama em segredo desde sabe-se lá quando, e faz qualquer coisa por ela. Quando Kaz, depois de muita coragem, finalmente decide que chegou a hora de revelar seus sentimentos, Porsha mostra o quanto é fútil. Ela é convidada pra uma grande festa de supostas subcelebridades e, num surto de emoção, arrasta Kaz pro shopping para que ele a ajude a comprar roupas e faz o coitado ficar a sua disposição, até que eles ficam presos por causa da nevasca. Eu juro que fiquei com dó de Kaz por ele gostar dessa menina porque, enquanto ele sempre está alí pra ela e por ela, Porsha não o trata muito bem, não demonstra nenhuma consideração ou interesse pela cultura e pelas tradições que ele segue, e não move um dedo pra acompanhar Kaz em nada que ele precise fazer. Não tenho dúvidas de que ele merecia alguém melhor.
E.R. - ★★☆☆☆
Em seguida temos a história de E.R., Savana e Eric, que se passa no Aeroporto Internacional de Atlanta e explora um ciúme meio descabido que Savana sente da parceira (?). Evan-Rose é bissexual e aqui ela está se reencontrando com Savana, ou Van, a namorada/ex/namorada/sei lá exagerada e ciumenta, cujo relacionamento é meio estranho: elas só são namoradas enquanto Van vai pra Atlanta pra estudar, e nas férias de verão, quando ela volta pra casa em Maryland, elas ficam solteiras de novo, e como esse namoro (se é que podemos chamar assim) vai ficar bastante abalado quando E.R. recebe uma ligação de Eric, que ela conheceu durante o verão enquanto as duas estavam ~solteiras~, e que está preso no mesmo aeroporto que elas, e mesmo que o envolvimento deles tenha sido somente emocional e nada demais tenha rolado, alí estava a receita perfeita para o desastre, ou será que não?
Evan-Rose tem muita dificuldade em falar sobre o que sente e nem teve coragem de assumir sua sexualidade para sua família. A fixação dela por Savana é meio doentia, tanto que ela parece aceitar algumas situações nada a ver só pra não contrarir a dondoca, e ela parece não conseguir se impor quando precisa ser sincera ou dizer um simples não. Achei ela chata, achei a namorada dela mais chata ainda, e Eric é o único personagem que gostei no meio desse bolo. Não consegui enxergar nada de romântico nessa história, só vi uma pessoa mais desapegada que gosta de curtir (mas que parece estar em conflito com si mesma) e outra possessiva e aparecida que tornou a história tão bagunçada quanto estranha, até mesmo porque no meio dessa confusão existe a tarefa que deve ser feita pra ajudar Stevie mas que parece não se encaixar direito. Obs.: Tenho certeza que essa foi escrita por Nic Stone.
Sola - ★★★☆☆O capítulo 5 é narrado por Sola e, nele, o leitor vai conhecer como é a dinâmica familiar dela assim como os detalhes do que aconteceu quando Stevie foi até a sua casa e ocasionou o rompimento ente as duas. Esse capítulo mostra como a briga que levou ao término do namoro com Stevie começou e um pouco da personalidade de Sola, que apesar de ser mais romântica, é bastante exigente (o que leva o leitor a compeender o motivo do ultimato).
Jordyn - ★★★★☆Depois conhecemos a história de Jordyn (ou Jordan) e Omari que, por um mal entendido ocorrido há um ano, mantém uma amizade meio estranha e cheia de alfinetadas. Omari está acompanhando Jordyn para uma apresentação de sua irmã - e melhor amiga de Sola - Jimi. Jimi pede para Jordyn aproveitar a viagem e levar alguns itens para ajudar Stevie nesse plano mirabolante, mas por causa da nevasca, o trânsito não move 1 centímetro e eles ficam presos dentro do carro. Alí, eles aproveitam pra resolver não só o mal entendido que houve entre eles mas, numa conversa mais profunda, tentam entender um pouco mais sobre as emoções de Jordyn com relação à sua mãe biológica que abandonou ela, as irmãs e o pai das meninas há quase 10 anos. Essa história, apesar de não se aprofundar tanto na vida dos personagens por ser curta, abordou de uma forma bastante satisfatória a química do casal e os conflitos emocionais de Jordyn com relação à mãe, e sua resistência às tentativas de aproximação dela (que remetem bastante a problemas de ansiedade). Ela tenta esconder seus sentimentos pra parecer forte, mas é inegável que ela fica abalada e tem uma necessidade enorme de resolver isso pra poder seguir em paz sem esse "peso". Penso que é a personagem com a carga dramática mais forte das histórias.
"... Não consigo imaginar como você se sente. Mas de uma coisa eu sei: às vezes as pessoas machucam quem amam, e isso diz mais sobre elas mesmas do que sobre o outro. Elas que são o problema. Dizem coisas que no fundo não querem dizer ou não dizem o suficiente. Elas podem não ter a intenção de machucar, mas só isso não basta quando os sentimentos de alguém estão em jogo. Ainda assim é preciso encontrar uma forma de consertar as coisas."
Jimi - ★★★★☆O capítulo 8 tráz a história de Jimi (Jamila), melhor amiga de Sola e irmã do meio de Jordyn. Jimi é vocalista e guitarrista de uma banda chamada
Rescuing Midnight, mas a banda está carregada de tensão e conflitos de interesses, pois Jimi odeia músicas românticas e os garotos que compõe o trio, Kennedy e Rakeem, acham isso uma completo absurdo e começam a evitá-la. Jimi está no Fox Theatre sozinha, sem saber se os garotos vão aparecer pra gravarem a música que poderia ajudar Stevie e Sola a voltarem, esperando Jordyn aparecer, e se sentindo culpada por ter causado esse climão, até que encontra Téo, um garoto com quem ela estudou no ensino fundamental e que agora é conhecido por seu nome artístico "Lil Kinsey". Depois que ele sumiu da escola sem dar notícias, ele se tornou um rapper bem famoso. E ele é o motivo de Jimi odiar músicas românticas...
Eu gostei bastante desse conto em particular pois ele fala muito sobre o sentimento de abandono, o que isso pode causar e como as pessoas lidam com isso, mesmo que rejeitem a afeição alheia como meio de defesa (se você não se envolve, então não se decepciona), pra tentarem seguir em frente. Embora o tema possa ser um gatilho pra várias pessoas, a forma como a autora aborda e desenvolve a história é bastante sensível pois Jimi e Téo acabam compartilhando memórias e se reconcetam através da música, o que é super legal.
Ava e Mason - ★★★★★ ♥
Esse conto em particular tráz os pontos de vista de Ava e Mason de forma alternada, onde, após se encontrarem no Aquário onde Ava tem um trabalho voluntário, relembram os motivos que os levaram a terminar o namoro. E em meio a essas lembranças, a maioria com desentendimentos bobos, eles começam a refletir sobre a "validade" dos relacionamentos quando precisam ir pra faculdade e eles vão se "separar". Acho que o conflito central dessa história é bastante realista pois trata de um dilema muito comum nos jovens que estão dando esse passo na vida (principalmente nos EUA onde eles saem de casa pra estudar e ficam longe por vários meses). Além disso, a história também aborda a ideia dos filhos seguirem por um caminho que não querem ou não gostam para superar as expectativas dos pais, e a forma como isso é exposto é tão sensível, ainda mais quando se tem apoio de quem se ama, que é impossível segurar as lágrimas.
Outro ponto bem bacana é o pano de fundo da história que remete a ciência e à vida marinha. A descrição da água azul, dos peixes nadando através do acrílico enquanto eles conversam e vão se entendendo é a coisa mais linda e perfeita de se acompanhar.
Tenho quase certeza que esse foi escrito pela Nicola Yoon e foi o único, assim como o conto dela em Blackout, que levou 5 estrelas e, de quebra, ainda me fez chorar, emocionada.
Uma coisa que não curti muito durante a leitura foram os nomes ou apelidos das personagens. A maioria deles é difícil de pronunciar pra quem não está acostumado, principalmente os nomes nigerianos que aparecem no capítulo de Sola, e acabaram travando a leitura a ponto de eu começar a pular os nomes ou só ler a primeira letra porque não tive paciência pra ir pesquisar a pronúncia de todos eles.
Acho que pelo livro ser das mesmas autoras que tem uma conexão muito boa pra escreverem juntas e, apesar de não ser uma série nem nada, ter o mesmo padrão de histórias curtas, a editora poderia ter mantido o título original em inglês. Acho que ficaria muito mais legal a combinação dos títulos "
Blackout" e "
Whiteout" do que "
Blackout" e "
Nevasca". Pelo menos com os nomes originais dá pra associar um com o outro fazendo esse contraste entre preto e branco relacionados ao escuro do apagão e ao branco da neve.
Um ponto curioso é que, embora no final do livro haja dicas, as autoras não informam nos capítulos quem escreveu o que alí.
Nevasca é um livro bastante agradável e vai, sim, dar aquele quentinho no coração, mesmo que algumas histórias sejam bem melhores que outras. Apesar de eu achar que as atitudes e pensamentos não condizem muito com as idades dos personagens, as histórias retratam as questões do amor juvenil, as descobertas, a amizade e os dilemas adolescentes, principalmente aqueles relacionados à orientação sexual e à ideia das histórias apresentarem personagens jovens, negros e com aspirações de vida bem bacanas de uma forma bem sensível e bonita.