Autora: Kiera Cass
Editora: Seguinte
Gênero: Fantasia/YA
Ano: 2016
Páginas: 328
Nota: ★★★★☆
Onde comprar (pré venda): Saraiva | Submarino | Americanas
Sinopse: Anos atrás, Kahlen foi salva de um naufrágio pela própria Água. Para pagar sua dívida, a garota se tornou uma sereia e, durante cem anos, precisa usar sua voz para atrair as pessoas para se afogarem no mar. Kahlen está decidida a cumprir sua sentença à risca, até que ela conhece Akinli. Lindo, carinhoso e gentil, o garoto é tudo o que Kahlen sempre sonhou. Apesar de não poderem conversar - pois a voz da sereia é fatal -, logo surge uma conexão intensa entre os dois. É contra as regras se apaixonar por um humano, e se a Água descobrir, Kahlen será obrigada a abandonar Akinli para sempre. Mas pela primeira vez em muitos anos de obediência, ela está determinada a seguir seu coração.
Resenha: Kahlen, uma jovem de dezenove anos, estava com a família a bordo de um navio até ter ouvido algo diferente no ar... Uma canção entorpecente atraiu a tripulação até o convés e todos ficaram em transe, sentindo uma enorme necessidade de se jogarem na água. Em meio ao naufrágio, Kahlen recobrou a consciência e lutou para voltar a superfície. Ela não queria morrer, não estava pronta, e desesperada ela ouviu uma voz... Kahlen foi puxada pra longe, foi salva pela própria Água, mas sair ilesa teria um preço a se pagar: Ela se tornaria uma sereia pelos próximos cem anos, e usaria a voz apenas para cantar e atrair as pessoas para o mar, assim como ela havia sido atraída. Somente após os término dos cem anos ela poderia usar a voz e teria a liberdade outra vez, e dentro desse tempo permaneceria sempre jovem, saudável e bonita. Oitenta anos se passaram desde então e, junto com Aisling, Elizabeth e Miaka, suas irmãs sereias, Kahlen cumpria sua sentença à risca, servindo à Água a cada chamado.
Até conhecer Akinli e tudo ficar diferente...
"Eu queria ser capaz de explicar como a interrupção de uma vida plena era melhor do que o prolongamento de uma vida vazia."Kierra Cass trouxe a mitologia das sereias com uma construção inteiramente nova e original no que diz respeito aos costumes e até mesmo à aparência. A cauda deu lugar as pernas mas a voz e o canto continuam fatais. Embora elas sejam sentenciadas a passar cem anos servindo à Água, elas vivem como pessoas comuns, fazem planos e se ocupam com atividades rotineiras, mas carregar o fardo de serem as responsáveis por tantas mortes é algo que não é nada fácil e Kahlen é a que mais sofre com isso. Sua sentença está chegando ao fim, mas após oitenta anos de devoção e obediência ela sente que vive uma vida que não lhe pertence, se culpa pelo que faz e não consegue ser feliz.
- Pág. 20
A narrativa é feita em primeira pessoa pelo ponto de vista de Kahlen, então ficamos a par de seus pensamentos e seus dilemas, sendo possível perceber claramente o quanto sua história é difícil e carregada de melancolia. O relacionamento com suas irmãs é algo muito bonito de se acompanhar pois elas são amigas, confidentes, cúmplices uma da outra e sempre estão alí quando necessário, mas embora tenham essa afinidade, Kahlen se sente deslocada por ter outros sonhos.
Ao conhecer Akinli, ela se apaixona e tudo o que passa a sentir ao compartilhar pequenos momentos junto a ele é forte o bastante para mudar tudo o que ela acreditava até então. Com relação a essa questão fiquei me questionando sobre a vida dela, pois tudo o que ela mais queria era encontrar alguém, se casar e ser feliz com o que pra ela era mais do que suficiente: o amor. Pode parecer estranho ela ser tão diferente das irmãs, que apesar de fazerem parte dessa irmandade carregada de segredos, vão pra balada e querem curtir a vida como podem, tirando proveito das brechas dessa prisão, mas embora ela pudesse ter usado toda a sua experiência de vida para atualizar sua concepção e fazer o mesmo, ela preferiu se recolher e acreditar que o que ela precisava era alguém a quem ela pudesse amar, da mesma forma como pudesse ser amada.
Uma entidade pode amá-la e cuidar dela e de suas irmãs como filhas, mas não é a mesma coisa que ter alguém de carne e osso que possa lhe completar. Se a Água a ama, porque não a manteve livre? Por que era necessário evidenciar a superioridade e o poder para impor regras e obediência daquelas que lhe deviam a vida a troco de ferir suas almas com o que eram obrigadas a fazer? Quando as coisas são feitas por obrigação, logo se cria resistência, e com Kahlen não foi diferente... Por amor ela resistiria, mas quem em seu lugar não faria o mesmo?
Talvez algumas pessoas possam achar que a mensagem passada remete ao machismo, que seja errada, ou ainda que ensine jovens a se prenderem aos estereótipos ditados pela sociedade de que o casamento ainda é algo necessário quando não é, mas quem somos nós para julgar atos, desejos ou pensamentos que não interferem em nada no direito de ir e vir alheio? Kahlen é uma personagem, mas e se fosse alguém real? Ela seria condenada por querer se casar em vez de se dedicar aos estudos ou a uma carreira que ela simplesmente não se identifica só pelo fato de que hoje em dia o pensamento é diferente do que era oitenta anos atrás?
Talvez seja possível perceber um certo exagero na questão da necessidade de Kahlen e Akinli ficarem juntos, como se fossem morrer se houver a menor distância entre eles, mas acho que podemos levar em consideração de que se trata da primeira experiência de ambos nesse quesito. Só a experiência dentro do relacionamento pode servir como exemplo para futuras escolhas caso a primeira não dê certo. Só é possível saber, de fato, se algo vale ou não a pena se tivermos a oportunidade de vivermos a situação, e se Kahlen nunca viveu, que viva e tire as próprias conclusões.
A preocupação maior seria se os valores de Kahlen fossem distorcidos o suficiente a ponto de prejudicar alguém, mas não é esse o caso. Sua ligação com Akinli foi forte e intensa o bastante para despertar nela o amor desinsteressado, puro e verdadeiro, um sentimento que qualquer um está sujeito a viver, desde que também encontre isso em outra pessoa.
"Talvez o segredo para eu poder seguir em frente não fosse eliminar tudo o que eu sentia. Talvez só precisasse me concentrar no único sentimento que fazia todos os outros parecerem menores."Um ponto que achei muito válido para se destacar é a questão dos personagens e como todos tem um papel importante para o desenrolar da trama. Suas histórias de vida são tristes e muitas das escolhas que fazem são baseadas no que viveram. Juro que ficaria muito agradecida se Kiera retornasse à história para escrever um livro destinado a cada uma das irmãs. Aisling é admirável por ter conseguido suportar tanta carga dramática e emocional em sua vida, e a personalidade de Elisabeth é marcante o bastante para despertar a curiosidade por uma história contada a partir de sua visão.
- Pág. 62
A autora soube trabalhar a fragilidade de uma alma antiga e delicada, que, mesmo devastada pelo que era obrigada a fazer, tirou forças de onde menos esperava para lutar por aquilo que queria e pelo que acreditava, e tudo isso foi feito de forma leve, com abordagens sutis, com cenas memoráveis e emocionantes que só ela é capaz de descrever. Onde há tragédia é possível encontrar a esperança, e quando tudo parece estar perdido basta acreditar que as coisas vão se revolver, mesmo que seja necessário paciência.