Título: Enfim, Capivaras
Autora: Luisa Geisler
Editora: Seguinte
Gênero: Jovem adulto/Literatura nacional
Ano: 2019
Páginas: 176
Nota:
★★★★☆
Sinopse: A cidade no interior de Minas Gerais para onde Vanessa se mudou é o tipo de lugar onde anunciam os horários do cinema e os obituários com o mesmo carro de som. Nada de muito interessante acontece por lá, a não ser para Binho, que, segundo ele mesmo, tem várias namoradas e conhece um monte de cantores sertanejos famosos.
A verdade é que Binho é um mentiroso contumaz e agora passou dos limites: inventou que tem uma capivara de estimação. Cansados das histórias cada vez mais mirabolantes do garoto, Vanessa se junta aos amigos – Léo, Nick e Zé Luís – para desmascará-lo. E eles estão decididos a ir até as últimas consequências.
Narrado durante as doze horas de uma noite regada a álcool, salgadinhos, segredos e romances mal resolvidos, Enfim, capivaras explora, através de diferentes pontos de vista, os relacionamentos entre um grupo de adolescentes em busca de uma capivara – ou muito mais do que isso.
Resenha: Depois do divórcio dos pais, Vanessa se mudou com a mãe de Porto Alegre para a Chapada do Pytuna, uma cidadezinha ensolarada no cerrado mineiro com 30 mil habitantes, dessas que todo mundo conhece e sabe da vida de todo mundo. Na escola, Vanessa fez amizade com Léo, Nick, Zé Luis e Dênis, vulgo Binho, mas não era uma relação de melhores amigos ever. Como a cidade é pequena, não tem nada de muito novo pra se ver ou se fazer, mas isso muda quando a turma se une contra Binho, que nunca perdeu a oportunidade de contar várias mentiras pra se aparecer e fingir ser melhor que os outros. A nova do menino foi ter dito que tem uma capivara de estimação, mas quando os outros colegas foram até a casa dele pra ver a tal capivara com os próprios olhos, Binho disse que ela fugiu, foi roubada! Mas eles não iriam desistir tão fácil, pois estavam determinados a desmascarar o farsante nem que tivessem que ir até o fim do mundo, e partem numa viagem de carro, sem carteira de habilitação nem nada, munidos de salgadinhos, balas de goma, energético e álcool, em busca da bendita capivara mato adentro.
Narrado em primeira pessoa e com capítulos que se alternam entre os pontos de vista dos personagens (com exceção de Binho), a autora conduziu a história de uma forma bem leve e divertida nesse período de doze horas de busca, criando uma ambientação interiorana cheia de detalhes, além de captar a essência da adolescência com vários dos seus dilemas de um jeito muito bacana, o que fez eu me identificar com cada personagem, por mais que eles sejam diferentes entre si, levantando questões importantes de serem abordadas sobre família, amizade, segredos, sexualidade, status social, confiança, lealdade, repressão, romances mal resolvidos, autoaceitação, mentira, trabalho, oportunismo e afins.
A forma da narrativa, e até da diagramação do livro em si, é legal, pois cada capítulo se inicia com uma lista de coisas que vão ser abordadas por algum dos personagens, e funciona como uma contagem regressiva das 12 horas até o final. O primeiro capítulo Vanessa lista 12 coisas que levaram a turma à casa de Dênis, o segundo capítulo lista 11 coisas que fizeram Zé Luis a entrar nessa confusão, e por aí vai...
Confesso que algumas coisinhas me incomodaram um pouco, como a falta de um desfecho para alguns personagens, ou um trecho específico - e infeliz - num dos capítulos de Nick onde a autora usa o autismo como forma de ofensa gratuita, o que foi bem desnecessário, já que o contexto não justifica tal "adjetivo" como abuso verbal dos pais:
"uns comentários da mãe sobre 'ficar socada no quarto que nem uma autista imbecil'" - pág. 35. Enfim, achei pesado...
Vanessa está passou por maus bocados em sua vida depois da separação dos pais e da mudança de cidade, que nunca é uma coisa fácil, mas se esforçou para se adaptar e se enturmar com o pessoal para não ser a estranha da turma. Não acho que eu deva contar mais detalhes sobre ela pra evitar spoilers.
Léo se aproveita do status de sua família endinheirada na cidade para fazer o que quer usando o nome do pai pra tudo, até pra escapar de enrascadas. Um exemplo é que com dezesseis anos ele dirige por aí como se fosse "intocável". Embora seja o garoto riquinho da turma, no fundo ele tem seus problemas que, de certa forma, justificam parte do seu comportamento e mostram que as aparências podem enganar muito.
Nick é uma garota que, apesar de ter nascido na cidade, não sente que pertence aquele lugar. Ela é diferente das garotas (e de qualquer um) da sua idade, é agressiva como forma de defesa, gosta de escrever fanfics, gosta de animes, mas também enfrenta alguns problemas dessa fase.
Zé Luis vem de uma família mais humilde e aprendeu desde cedo a ser justo com todos. Sua mãe é uma das empregadas na casa da família de Léo. Ele é um garoto bondoso e gentil, mas que também enfrenta alguns dilemas, inclusive sobre sua amizade com Léo já que o amigo é o "patrão".
Binho é um caso perdido, e sua mania de inventar tudo quanto há e o comportamento que ele tem quando parece estar encurralado é irritante de um tanto que não dá nem pra medir, mas também rende alguns momentos engraçados. São situações impossíveis que fazem com que a gente torça pra que tudo fique bem, pra que o mentiroso pare de ser ridículo e fale a verdade pra acabar com essa história logo.
Dessa forma, a história não se trata só da busca louca e engraçada por uma suposta capivara, mas sim de uma busca pelo autoconhecimento onde cada um pode encontrar a si mesmo, e que vai mexer com nossas emoções.