Bee and Puppycat começou como uma websérie de desenho animado, criada e escrita por
Natasha Allegri. Em 2013 ela foi lançada em um episódio de apenas 10 minutos que foi dividido em duas partes no canal
Cartoon Hangover no
Youtube. Após ganhar popularidade na internet, a
Cartoon Hangover começou seu primeiro projeto no
Kickstarter para financiar os
dez episódios adicionais, que atualmente conta com mais de 19 milhões de visualizações. Com o sucesso da websérie, a
Netflix investiu no projeto e em 2022 lançou um
reboot da animação, misturando os episódios antigos com novos, mudando alguns conceitos, dando aquela polida básica no visual pra dar continuidade à história de Bee e Puppycat, e trazendo um conteúdo inédito em episódios mais longos. Porém, entretanto, todavia, contudo, os primeiros episódios na
Netflix são um tanto confusos e desorganizados, e é bem possível que a pessoa perca o interesse por não entender o que está acontecendo ou do que a animação se trata, como se tivessem lançado a série supondo que todo mundo já conheça a história quando muita gente nunca ouviu falar a caiu alí de paraquedas, então recomendo muito que os dez episódios disponíveis no Youtube sejam assistidos primeiro pra que a série seja melhor compreendida e apreciada. Vale a pena gastar uma horinha da vida assistindo no Youtube antes de ver Netflix.
Basicamente a animação gira em torno de Bee, uma moça na casa dos vinte e poucos anos, que mora numa ilha "mágica" e acabou de ser demitida de seu emprego no Cat Café. No caminho pra casa e chateada pelo ocorrido, Bee acaba encontrando uma criatura que caiu de um portal que se abriu no meio do ar chamada Puppycat.
Desempregada e sem dinheiro pra bancar o aluguel (e as despesas infinitas e descontroladas do seu novo amigo), Puppycat lhe apresenta a agência de trabalhos intergalática gerenciada por um supercomputador/tv gigante/portal chamada TempBot, e começa a levá-la pra outros mundos para que eles possam realizar alguns trabalhos temporários e ganhar dinheiro pra Bee pagar as contas.
A partir daí, a série vai se desenrolando da forma mais maluca possível, enquanto apresenta os personagens em meio a situações bizarras que, aparentemente, são desconexas e não fazem o menor sentido e revela, de forma muito sutil e sem nenhum contexto, alguns dos mistérios e dramas que os cercam.
Embora a classificação indicativa seja infantil, pra ser bem sincera, eu não acho que o desenho seja pra crianças. A complexidade da animação, que é super voltada pro surrealismo (e lembra muito Midnight Gospel) com toques e elementos tão mágicos quanto sombrios, é capaz de confundir e desgraçar a cabeça de qualquer adulto desavisado, logo não acho que as crianças vão entender muito bem o que se passa. Eu mesma estou com milhões de pontos de interrogação pairando em cima da minha cabeça, dando risadas e incrédula com as coisas que os personagens fazem e com as situações que eles se metem e, agora, bolando um monte de teorias enquanto a próxima temporada não vem.
Os personagens tem suas camadas, mas são exploradas sem muitos critérios, e enquanto algumas coisas são jogadas sem aviso, outras vão se mantendo em segredo e vão ganhando explicações somente nos últimos episódios, e é difícil segurar a curiosidade pra saber o que está acontecendo alí e o motivo. Muita coisa feita ou dita pelos personagens que parece não ter importância ou significado nenhum, vai fazer as coisas começarem a se encaixar a medida que a história avança.
Bee é bastante impulsiva, irresponsável, e sai fazendo as coisas sem pensar muito. Ela é observadora e está sempre atenta a pequenas coisas, e dá muito valor aos seus amigos fazendo tudo o que está ao seu alcance por eles, mas pra outras coisas ela não tem a menor noção. Coisas como apagar um incêndio no soco, guardar comida dentro da privada entupida, roubar brinquedos durante uma entrevista de emprego, ou carregar sua moto nas costas são coisas que ela faz com a maior naturalidade.
Puppycat é super mal humorado, impaciente e ranzinza. A primeira impressão é de que ele "atura" a Bee porque ela deixa ele fazer o que quer e se vira pra bancar seus caprichos, mas a gente sabe que ele se importa muito com ela e tem um motivo pra isso. É até legal acompanhar a evolução do relacionamento dos dois, que vai se estreitando cada vez mais. Apesar disso tudo, ele é engraçado, faz uns comentários hilários, e ainda gasta o dinheiro da Bee comprando boosts pra avançar o tempo nos joguinhos de celular porque ele não tem paciência pra esperar. Então ela tem que trabalhar pra bancar essas marmotagens. E mesmo que ela peça e explique que ele não deve gastar 500 dólares num jogo de ovos cozidos, ele faz e ela que lute.
No mesmo prédio que Bee mora, ainda tem a família de seis irmãos e uma irmã que são amigos dela, e cada um tem a própria personalidade e faz uma coisa diferente do outro. Tem um irmão médico caladão que finge de sonso, tem outro que adora peixes, outro que ama palhaços, outro que é super vaidoso e por aí vai... Dentre eles, Deckard é o melhor amigo de Bee e sempre está lá por ela, sendo compreensivo e pronto pra ajudá-la. Ele é um ótimo cozinheiro mas é a personificação da derrota quando o assunto é preparar qualquer coisa assada, tudo que ele tenta assar entra em combustão espontânea e o caos é instalado. Ele sonha em fazer um curso de culinária fora da ilha mas acha que deve abrir mão desse sonho por causa dos outros.
Cas é a única irmã dessa família de malucos e trabalha com programação. Ela é a pessoa que todo mundo procura pra resolver as coisas complicadas. Ela é boa no que faz mas não parece ser muito feliz com isso. Antigamente ela era lutadora, não era lá grandes coisas, mas pelo menos gostava disso. Na luta ela conheceu sua "rival" Toast, que é completamente obcecada por Cas e por luta, não para de perseguir ou bolar planos pra ficar próxima da coitada um segundo, se esconde dentro de paredes pra ouvir suas conversas e depois quebra tudo pra fazer aquela entrada triunfal.
Saindo da família, também tem o pequeno Cardamomo, que é amigo de Bee. Ele é um garotinho que vive um drama danado. Ele é o "senhorio" do prédio onde toda essa galera mora e leva esse trabalho muito a sério. Ele cobra o aluguel e faz os devidos reparos nos apartamentos usando sua marretinha de brinquedo, tudo isso enquanto sua mãe "dorme". O que ninguém sabe é que existe um grande mistério sobre a condição da mãe do garotinho, e num determinado ponto várias coisas na ilha começam a ter a realidade alterada por causa dela.
Essas e outras coisas relacionadas aos personagens, de onde vêm, por que fazem certos tipos de coisas, por que evitam outras e etc, acabam trazendo mais camadas, vários mistérios para a história e muitas perguntas que precisam de respostas. Como disse, algumas coisas que acontecem se encaixam e são explicadas, mas a maioria continua uma incógnita, restando aos fãs criarem suas teorias.
Assisti a animação no idioma original e, com exceção da voz de Puppycat (que foi sintetizada pelo
Vocaloid Oliver) e da personagem Cas (irmã de Deckard), ouvir a voz dos personagens mais relevantes foi meio sofrível e me incomodou horrores. Não sei se as vozes dos atores foram forçadas pra combinar com as esquisitices do desenho mas, pra mim, não combinaram, são irritantes, melancólicas, não passaram a devida emoção e dão a impressão de sempre estarem "rachadas". Talvez a ideia tenha sido justamente essa, mas mesmo que eu tenha me acostumado depois, não curti. Algumas coisas na tradução também me pareceram desnecessárias e até agora estou me perguntando porque diabos Pretty Patrick, um apresentador do programa na TV do qual Bee e Puppycat são fãs número 1, virou "Patrick Patricinha".
A arte da animação é bem infantil e cheia de exageros no que diz respeito a expressões já que tem essa pegada de anime, mas é linda de viver, com uma iluminação super bonita e uma paleta de cores predominantemente em tons pastéis, super aconchegante e convidativa. A sensação é de estarmos assistindo um "anime doce". Cada vez que Bee e Puppycat visitam TempBot em busca de trabalho em outro planeta, eles vestem um uniforme diferente e mudam de cor de acordo com as características do trabalho e do mundo em questão, deixando tudo muito colorido e fofo, e ainda nos deparamos com criaturas das mais variadas espécies e formatos, desde as fofinhas, passando pelas as repugnantes, e chegando até as mais assustadoras. Inclusive também existe um mistério de criaturas que ficam perseguindo Puppycat pra dar aquele ar de suspense no desenho.
As esquisitices em si não são pontos negativos na animação, são curiosas, às vezes desconfortáveis, às vezes tem explicação ou não, às vezes emociona, mas é o que torna o desenho único, divertido e muito especial. No mais, pra quem gosta de animações diferentes, com humor bastante peculiar e alguns mistérios, eu super recomendo.