Autor: Raphael Montes
Ilustrador: Marcelo Damm
Editora: Suma de Letras
Gênero: Terror/Contos/Literatura Nacional
Ano: 2015
Páginas: 96
Nota: ★★★★★
Onde comprar: Saraiva | Submarino | Americanas
Sinopse: Em 1589, o padre e demonologista Peter Binsfeld fez a ligação de cada um dos pecados capitais a um demônio, supostamente responsável por invocar o mal nas pessoas. É a partir daí que Raphael Montes cria sete histórias situadas em um vilarejo isolado, apresentando a lenta degradação dos moradores do lugar, e pouco a pouco o próprio vilarejo vai sendo dizimado, maculado pela neve e pela fome. As histórias podem ser lidas em qualquer ordem, sem prejuízo de sua compreensão, mas se relacionam de maneira complexa, de modo que ao término da leitura as narrativas convergem para uma única e surpreendente conclusão.
Resenha: A história de O Vilarejo é introduzida ao leitor de forma bastante inusitada pois o autor se apresenta como alguém que recebeu cadernos misteriosos da falecida Elfrida Pimminstoffer, ilustrados e cheio de anotações feitas à mão em uma língua antiga e morta. Tendo procurado ajuda para saber do que se tratava o conteúdo, acabou sendo o responsável por decifrar e traduzir as histórias. São sete contos que estão diretamente ligados aos sete pecados capitais, Cada um desses pecados é representado por um demônio que, supostamente, seria o responsável por despertar o que há de pior nas pessoas... Asmodeus (luxúria), Belzebu (gula), Mammon (ganância), Belphegor (preguiça), Satan (ira), Leviathan (inveja) e Lúcifer (soberba).
Cada conto irá mostrar como esses pecados se manifestaram nos moradores de um pequeno vilarejo isolado de forma que cada história acabe se entrelaçando de maneira ampla com as demais formando uma só ao fim, e como fatos e personagens se envolvem ao irem se degradando de forma lenta e gradual até atingirem a ruína.
Os contos são narrados em terceira pessoa e a escrita do autor é impecável. Ele tem o dom de manter o leitor preso à história e, ainda que seja curta e sem floreios, surpreende muito quando cada conto atinge o clímax. É simplesmente impossível parar a leitura pois a ansiedade pra chegar ao desfecho chega a ser inexplicável. Ao final queria saber mais dos personagens e o que mais seriam capazes de fazer, queria mais páginas sangrentas, queria um pouquinho mais dessa agonia extrema de acompanhar a rotina sem censura de personagens que tiveram seus lados mais negros e sombrios aflorarem sem o menor pudor.
As descrições e os detalhes acerca do ambiente e dos personagens não se prolongam muito e são feitas na medida certa. Inclusive acho válido ressaltar que são nos pequenos detalhes que tudo faz diferença pois só assim para fazermos a grande ligação com prefácio e posfácio da obra. E por causa dessas notas de Raphael Montes, como mero "tradutor" dos cadernos de Elfrida, é que a história ganha um ar de veracidade e causa arrepios em quem se atenta e descobre, de fato, quem essa senhora foi... É genial! São poucas páginas mas posso afirmar que o conteúdo é enorme e nada deixa a desejar.
Embora os contos sejam apresentados sem respeitar uma cronologia exata e possam ser lidos fora de ordem sem prejudicar a compreensão, preferi ler na ordem. Esse vai e vem temporal utilizado na narrativa só atiça ainda mais a curiosidade do leitor pois é bastante surpreendente iniciar a leitura sabendo que algum personagem morreu mas num conto posterior nos depararmos com sua infância.
É incrível como o próprio vilarejo parece integrar a trama como se fosse um personagem a parte. É um lugar afastado, esquecido, escondido e acompanhar, ainda que de forma desordenada, a decadência que o local passou a sofrer devido ao frio, a fome e a miséria que assolou os moradores, até que eles tenham sido tomados pelos pecados que os levaram ao extremo, é algo que faz do vilarejo algo "vivo" e que vai se definhando com o passar do tempo.
Falando da parte gráfica, só tenho elogios à obra. O visual do livro é maravilhoso. A diagramação é super caprichada: Cada início de capítulo traz o nome de um dos demônios mencionados e é apresentada numa página preta com o texto branco. As ilustrações de Marcelo Damm são em cores e os tons utilizados contrastam com o clima frio do vilarejo. Sabemos que há neve lá fora, mas, talvez pra dar a ideia do horror e decadência que os personagens vivem - além de preservar e representar o clima sombrio - as ilustrações são escuras e carregadas em marrom com detalhes em vermelho, verde ou amarelo. Essas ilustrações sempre representam alguma cena forte e intensa da história e há manchas vermelhas simulando respingos de sangue em algumas páginas.
Não havia lido nada do autor anteriormente e posso considerar essa estreia como algo que superou totalmente minhas expectativas. A inserção do povo e idioma cimério (que existiram antes de Cristo) assim como um professor conhecedor da língua oriundo de um outro livro de ficção publicado, mostrou que por mais que haja um toque de brincadeira na obra (diante de olhares mais atentos), o brilhantismo do autor é inegável.
Raphael mostrou através de O Vilarejo que seres humanos são falhos, muitas vezes fracos, e, por menor e mais inofensivo que seja, sempre carregam o mal dentro de si, resta saber se algo ou alguém pode ser o responsável por desencadear e libertar o monstro que habita as profundezas de cada um de nós...
Em suma, pra quem procura por uma história fria, crua e macabra, que mexe com nossos sentidos causando ansiedade, perturbação, pavor, repulsa e ainda nos mantém envolvidos e fascinados sem ter vontade de largar um minuto sequer, recomendo. O gostinho de quero mais que fica ao fim da leitura é inevitável.