Título: O Conto da Princesa Kaguya (Kaguya-hime no monogatari)
Produção: Studio Ghibli
Elenco: Aki Asakura, Kengo Kora, Takeo Chii
Gênero: Animação/Fantasia/Drama
Ano: 2013
Duração: 2h 17min
Classificação: Livre
Nota:
★★★★★
Sinopse: Esta animação é baseada no conto popular japonês "O cortador de bambu". Kaguya era um minúsculo bebê quando foi encontrada dentro de um tronco de bambu brilhante. Passado o tempo, ela se transforma em uma bela jovem que passa a ser cobiçada por 5 nobres, dentre eles, o próprio Imperador. Mas nenhum deles é o que ela realmente quer. A moça envia seus pretendentes em tarefas aparentemente impossíveis para tentar evitar o casamento com um estranho que não ama. Mas Kaguya terá que enfrentar seu destino e punição por suas escolhas.
A animação
O Conto da Princesa Kaguya, produzida pelo
Studio Ghibli, é baseada numa lenda popular narrada desde o século X,
O Cortador de Bambu, que faz parte da cultura japonesa e é uma das mais antigas e famosas que existem.
Ela conta a história de um casal de camponeses bem pobres e idosos que não tiveram filhos, mas criam uma garotinha que nasceu de um broto de bambu. Ela cresce e se desenvolve muito rápido, o que intriga bastante as crianças do vilarejo que logo se tornam seus amigos, principalmente um garoto chamado Sutemaru, que tem um enorme carinho por ela.
Vivendo numa casinha simples, ela brinca com os amigos, corre pela floresta e pelas montanhas, e sempre apronta alguma peripécias junto com as outras crianças. Apesar de serem pobres e passarem algumas dificuldades, ela não poderia ser mais feliz.
Mas tudo muda quando seu pai, o cortador de bambu, começa a encontrar ouro e tecidos finos no bambuzal. Ele acredita que toda essa riqueza foi enviada pelos céus para que ele possa fazer de sua filha uma princesa. E assim, ele parte com a família para a cidade, onde passam a morar num grande palácio levando um estilo de vida digno da nobreza.
Na cidade, a garota começa a aprender com a Srta. Sagami sobre os modos da corte para poder se portar como uma verdadeira dama, mas todos os luxos que lhe foram proporcionados jamais trariam a mesma alegria que ela tinha quando vivia no vilarejo, e ela passou a se sentir aprisionada por ser obrigada a seguir por um caminho que ela nunca quis.
Até que depois de um grande banquete promovido pelo seu pai, cinco pretendentes na nobreza se interessam em tomá-la como esposa, até mesmo o próprio imperador. Sem intenção de se casar com um daqueles homens, Kaguya começa a dar tarefas impossíveis de serem cumpridas numa tentativa de se livrar desses pretendentes mas, a medida que o tempo passa, suas escolhas começam a definir seu inevitável destino.
O Conto da Princesa Kaguya é uma das animações mais bonitas e sensíveis que já assisti. É uma história tocante e triste que traz reflexões profundas não apenas sobre as consequências das escolhas tomadas, mas também sobre o silenciamento e a objetificação da mulher que perdura por séculos.
A animação mostra muito da antiga cultura japonesa no que diz respeito à transformação que a mulher precisava passar para se adequar aos padrões de beleza da época, à sociedade e ao seu futuro marido, como ter o corpo modificado, os dentes escurecidos e várias outras características dolorosas que tornavam a mulher submissa. Desde o início Kaguya já demonstrava uma enorme relutância em aceitar essas imposições, ela questiona a Srta. Sagami e trata seus ensinamentos como brincadeira, ela se recusa a "ter modos", e no fundo o que ela queria era brincar com os amigos na floresta e ser livre para escolher o que quisesse. Porém, essa "rebeldia" é repreendida por todos à sua volta e Kaguya passa a acreditar que seu comportamento inadequado traz infelicidade e desgosto para seus pais, e unindo isso a obsessão do seu pai em fazer dela uma nobre princesa a qualquer custo, o que resta à garota é ceder as vontades do pai e mergulhar cada vez mais fundo num sentimento de vazio e não pertencimento...
Sua mãe entende o quanto Kaguya está sofrendo, mas não tem o que fazer a não ser consolá-la pois, por ser mulher, ela não pode confrontar o marido e faz o papel de esposa submissa e obediente.
Frustrada, deprimida, silenciada e presa na própria solidão, ela se agarra às suas lembranças mais felizes do passado, e aqui eu tenho que destacar como os traços e as cores da animação mudam conforme os sentimentos de Kaguya. O que antes parecia uma pintura em aquarela e tons pastéis, se torna rabiscos agressivos e escuros que demonstram toda a agonia, raiva e angústia sentidas pela protagonista, o que a leva a implorar para os céus que a tirem daquela situação terrível já que ninguém que seja próximo dela dá importância para o que ela realmente quer.
Eu ainda me pergunto como pode essa animação ter perdido o Oscar para Operação Big Hero, da Disney. Não que esse segundo seja ruim, mas em comparação com a obra de arte que é O Conto da Princesa Kaguya, pelamordedeus... É um pecado, quase um crime.
É uma animação com poucos diálogos, o que faz com que quem esteja assistindo acabe apreciando não só os desenhos feitos à mão com a maior delicadeza desse mundo, mas também os momentos de silêncio e contemplação dos personagens em meio a simplicidade da vida no campo em meio a natureza ou aos luxos de um palácio repleto de requinte. As coisas acontecem devagar, vão sendo digeridas aos poucos, o que acaba dando um toque tão agridoce quanto amargo diante dos acontecimentos.
Penso que por mais que o conto exista há mais de mil anos, é impossível não se surpreender com uma adaptação tão atemporal e que traz questionamentos tão relevantes sobre o papel da mulher na sociedade (que muitas vezes é impedida de ser quem ela é), sobre a felicidade poder ser encontrada nas pequenas e mais simples coisas da vida, e sobre as pessoas só darem valor ao que elas têm quando perdem...